2007-12-15

O "LIVRE ARBÍTRIO" (2)

Deus é omnipotente e omnisciente. Parece que as duas prerrogativas são contraditórias, mas lá iremos.
Vamos supor que eu, hoje, decidi ir ao cinema. Ainda é de manhã, mas eu gosto de planear as coisas com antecedência. Repare-se: eu decidi, mas não quer dizer que vá. Segundo o crente nosso conhecido, Deus é que sabe. Ou seja: nesta manhã, Deus já sabe se eu, logo à noite, vou ou não ao cinema. Começamos, aqui a pôr o livre arbítrio em causa. Se Deus já sabe, tal significa que a minha decisão será tomada de acordo com o que Deus já sabe (na verdade, o meu primo Alfredo telefonou-me a dizer que precisava de falar comigo acerca de um assunto importante, mas só estava disponível à noite. Lá se foi a sessão de cinema!). Mas Deus já sabia que eu não iria ao cinema. E a verdade é que Deus, com a sua omnipotência, não dispôs as circunstâncias de molde a eu poder ir ao cinema. Pelo contrário, elas foram dispostas de modo a eu cumprir aquilo que ele, Deus, sabia. Então, onde está o meu livre arbítrio?

Deus criou Adão (e Eva, mas esta não interessa, de momento, para o nosso raciocínio). Sendo omnisciente, Deus sabia que Adão, uma vez criado, iria comer o fruto proibido. Mesmo assim, Deus criou Adão nessa perspectiva, ou seja, atribuiu-lhe uma personalidade que o iria levar, irremediavelmente, ao pecado. Por outras palavras, Deus criou Adão de modo a que o seu (do Adão) comportamento coincidisse com aquilo que Deus sabia. De tal modo que, inclusivamente, criou (já tinha criado!) uma serpente falante - julgo que a única no Paraíso e em toda a "criação". Ou seja, Deus estabeleceu todo um cenário que conduzisse os factos àquilo que sabia. A cereja em cima do bolo teve a forma de Eva, a maldita - como passaram a ser todas as mulheres, seres inferiores, ainda hoje assim consideradas pelas diversas religiões. Ou seja, Deus criou Adão para que pecasse e, depois, castigou-o!
É lícito, parece-me, perguntar: podia, Deus, ter alterado o curso dos acontecimentos? Podia Deus ter criado um Adão que não comesse o fruto proibido? A resposta só pode ser NÃO. Porque se o fizesse, tal acto iria colidir frontalmente com aquilo que Deus sabia, ou seja, que Adão iria desobedecer às suas ordens. O que desde logo põe em causa a omnipotência de Deus, perante a sua própria omnisciência. A não ser, claro, que Deus soubesse que Adão não iria pecar mas, nesse caso, os factos iriam desenrolar-se de acordo com esta hipótese de sapiência divina. Ou seja, de que Adão não iria pecar. Então, onde está o livre arbítrio? O pobre Adão nem sequer podia resistir à tentação, pois Deus sabia que ele iria ceder - e assim teve que ser!

Pela parte que me diz respeito, fico elucidado. Como já li algures, quando um ladrão berra "a bolsa ou a vida" está a dar-nos o livre arbítrio.

NOTA: este raciocínio foi elaborado partindo da hipótese, académica e absurda, de que Deus existe. O que é manifestamente improvável.

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