2007-10-13

OS DESÍGNIOS DE DEUS


Há pessoas que, quando acham que o mundo se abateu sobre as suas (respectivas) cabeças, se tornam irreverentes. Eu sou uma dessas pessoas.
Durante o período em que tive de acorrer ao Serviço de Oncologia do Hospital de Stº. António, a minha irreverência apenas era travada pela amabilidade, competência e delicadeza das enfermeiras, o que, diga-se de passagem, não me facilitava as coisas: não podia ser irreverente com quem tão bem me tratava, no entanto sempre encontrava espaço para uma observação mais mordaz ou uma piada algo impertinente.
Pois bem, durante as minhas andanças para aplicação do catéter, ministração de quimioterapia, transfusões de sangue, etc, reparei que duas freiras se submetiam ao mesmo tratamento que eu - ou seja, também eram doentes oncológicas. Facto que me causou alguma estranheza, como se verá.
Em condições normais, o mais certo seria que nem delas me aproximasse - a não ser que tivesse fortes razões para tal; mas eu não estava em condições "normais". Por isso, num dos dias em que esperava a minha vez, vislumbrei as duas freiras que, tendo acabado o tratamento, se dirigiam para a saída. Interpelei-as, com a impunidade que a idade e o estado de saúde permitem (ou parece que permitem):
- Desculparão a pergunta, mas há algo que me faz confusão, e que gostaria que me esclarecessem, se possível: como é que as senhoras, que dedicam toda a vida a Deus, se encontram a fazer este tipo de tratamento? Não era suposto que Deus as protegesse?
As religiosas olharam uma para a outra, e a mais velha - ou assim o parecia - elucidou-me. Completamente, diga-se de passagem:
- Sabe, irmão, são os desígnios de Deus...
- Os desígnios de Deus???? Mas as senhoras andam em tratamento! Não estarão a contrariar os desígnios de Deus?
As freiras voltaram a entreolhar-se, murmuraram um "fique com Deus, irmão" e afastaram-se, enquanto eu ficava a pensar por que caminhos teria andado o meu pai, e como foi que elas me reconheceram...
Irmão...?

O DOLOROSO ÓBITO


O trabalho dos tribunais é, por norma, um trabalho sério, responsável. Assoberbados por montanhas de processos, os funcionários quase nem têm tempo para esboçar um sorriso.
Mas - há sempre um mas - de quando em vez há alguém que, com refinado sentido de humor e não menos requintada ironia, se aproveita de situações sérias para provocar uma saudável gargalhada.
Pois bem: rebuscando no sótão das minhas recordações, veio parar-me às mãos uma fotocópia que, na altura em que foi - largamente, diga-se de passagem - difundida, provocava irreprimíveis gargalhadas aos que a liam. Tratava-se, em resumo, de uma apreensão de aves ornamentais e canoras, provavelmente provenientes de furto. Só que quem se encarregou de acautelar o apreendido não o fez com os cuidados devidos. Por exemplo, colocou um canário e um melro na mesma gaiola, com os resultados fáceis de adivinhar.
A informação elaborada pelo Chefe de Secretaria do Tribunal de Instrução Criminal respectivo, dá-nos uma imagem do sucedido. Ei-la, devidamente transcrita:


Meritíssimo Juiz:

Algo consternado, cumpre-me informar Vª. Exª. que a canária amarela, apreendida neste TIC e no processo de Instrução Preparatória à margem indicado, que foi remetido à Polícia Judiciária de Lisboa
para investigação, foi hoje e há poucos minutos, agredido pelo melro, seu companheiro de cativeiro, e encontra-se já cadáver, jazendo quase desfeita sobre o fundo conspurcado da gaiola, onde os seus restos mortais estão a ser devorados plo seu próprio homicida, reinando na gaiola um ambiente macabro. Para que Vª. Exª. se digne determinar o que tiver por conveniente, sentidamente presto esta informação. (seguem-se a data e a assinatura).


Irrepreensível, e inatacável. Isto, se considerarmos o ambiente normalmente austero dos tribunais.
Resta dizer que na mesma gaiola ainda havia uma outra canária, que também morreu. Quanto ao melro "homicida" acabou por falecer duas semanas depois, supõe-se que de saudades.
Mas isto já sou eu a supor...

2007-10-11

Por terras de Pedro, "O Grande"


Noites Brancas…


Chamavam-lhe Pedro, “O Grande”.


Neste caso, o epíteto “O Grande” não se refere a grandiosidade, mas a tamanho. Com mais de dois metros de altura, era mesmo “Grande”. Como se isso não bastasse, era completamente desproporcionado: a cabeça extremamente pequena em relação ao corpo, braços compridos, ombros estreitos, pés demasiadamente pequenos para o tamanho do corpo… Uma perfeita desconformidade.

Chamavam-lhe Pedro, “O Grande”; hoje chamam-lhe Pedro, o falecido…


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Petrogrado, aliás Leninegrado, aliás S. Petersburgo.

Meia-noite menos um quarto. Aproximo-me da janela do hotel, para tirar uma fotografia ao pôr-do-sol…

Não, não. Não me enganei. Era meia-noite menos um quarto. Por isso lhes chamam as “Noites Brancas”. Brancas, porque não conhecem a escuridão, nesta altura do ano. Pelas quatro horas, começa a nascer o dia… que não chegou a morrer.


***

S. Petersburgo é conhecida como a “Veneza do Norte” ou, também, “A Cidade dos Mil Palácios”. Um passeio de barco através dos seus inúmeros canais (mesmo sem o gondoleiro a cantar o “Cuore ‘ngrato”) dá-nos a real percepção de uma quantidade incalculável de palácios – qual deles o mais belo, pese embora o facto de muitos deles estarem a pedir obras de conservação.


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São poucos os táxis, em S. Petersburgo. Por duas razões, fundamentalmente: são relativamente caros (para os russos, evidentemente) e quase não são necessários, já que os transportes públicos satisfazem plenamente as necessidades e… são extremamente baratos.

Mas depois do jantar tudo se altera já que os transportes são mais lentos e não nos levam aonde nós queremos; e se não há táxis, há carros particulares que fazem o mesmo serviço… bem mais barato. Preço marralhado, naturalmente.

Há quem invista na compra desses carros particulares, como num negócio. E que faça disso modo de vida. Afinal, não é proibido “oferecer boleia”…


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Aterragem no Aeroporto Internacional de Moscovo, e as primeiras perplexidades dos companheiros de viagem: “Que raio de povo é este, que escreve Я em vez de R, e И em vez de N?!”


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Afinal, a Praça Vermelha, de vermelho não tem nada. A explicação veio depois: no idioma russo antigo, “vermelho” (‘crassnaiá’) queria dizer “bonito”. O povo chamava-lhe “Praça Bonita” (que o é!).


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Mausoléu de Lenine (aliás, Vladimir Ilich Ulianov). Muito bem conservado, o cadáver. Quase não dá para acreditar.

Em cada patamar das escadas, um militar leva o dedo à boca, em ordem de “silêncio”. Um companheiro de viagem é formalmente convidado a retirar as mãos dos bolsos.

Terra de contradições: eles não gostavam do Lenine, mas respeitaram o seu cadáver, a ponto de o preservarem. Ainda há (muitas) estátuas do homem, embora muitas outras tenham sido apeadas. Lenine é, agora, uma curiosidade.


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notas pretas


O povo russo divide-se em duas categorias: os que ainda pensam que é o Partido que lhes paga o ordenado, e os que decidiram fazer pela vida. Os primeiros não gostam de turistas, principalmente se forem estrangeiros. Também não gostam de estrangeiros, principalmente se forem turistas. Podem ser encontrados nos hotéis, nos estabelecimentos comerciais e nos cafés, sempre disfarçados de empregados; os segundos podem ser motoristas de táxi, vendedores de artesanato e/ou “souvenirs”.


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Aos primeiros, o turista/estrangeiro (ou o estrangeiro/turista) não pode falar russo. Primeira reacção: espanto (“um estrangeiro a falar russo?”); segunda reacção: desconfiança (“será que estou a ouvir bem? Ou este gajo está a gozar comigo? A falar russo?!?!”); terceira reacção: arrogância (“nenhum #*+?! £@&%’»$º de um estrangeiro vem para aqui falar russo! Só nós, os russos, é que falamos russo!”).

Os segundos… até falam português! Eu ouvi.


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Hotel Sovetscaia (lê-se Советская), último dia. O jantar aproximava-se do fim, e o carrancudo (como é normal…) empregado colocou uma vasilha com água quente. Numa taça, pacotinhos de chá – um para cada pessoa! O nosso acompanhante interpelou o empregado (diálogos em inglês, devidamente traduzidos): “Café, por favor”. O empregado respondeu desabridamente: “Não é café, é chá!”. O acompanhante insistiu: “Eu pago! Os portugueses não bebem chá”. O homem ficou desnorteado: um turista atrevia-se a contrariá-lo! Chamou a chefe, que resolveu o problema: mandou substituir os pacotes de chá por outros tantos de café.


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Controlo de passaportes, à saída, no aeroporto. A funcionária olhava atenta e alternadamente a companheira de viagem que me precedia; os segundos escoavam-se, e a funcionária não se desengomava. Até que pareceu acordar (segue-se o longo e elucidativo diálogo, que consegui traduzir do inglês):

Funcionária: “Na fotografia, o cabelo está loiro, mas o seu cabelo é castanho…”

Companheira de viagem: “É. Cada dia, cada cor. Amanhã, volta a ser diferente”.

O passaporte foi, finalmente, devolvido.


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Na Rússia dos czares, tudo pode acontecer.




PORTUGAL, A RELIGIÃO E A GUERRA

Do co-bloguista e contribuinte da minha caixa de correio electrónico ("de minimis", que das outras contribuições, digo como os franceses: 'chacun sabe de si') A. Gomes, recebi um texto que, depois de obtida a devida autorização pelo inebriantemente rápido sistema "Simplex", passo a reproduzir (quase) na íntegra (NOTA: os "acrescentos" são da minha responsabilidade):

"Permito-me transcrever de http://aijesus.blogspot.com um texto sobre
Portugal, o Mundial, a religião e a guerra.

O futebol de alta competição vive-se [vive-se! mais do que se vê] em
Portugal como se vive a religião e a guerra. A própria linguagem com
que se interpreta [interpreta-se! mais do que se descreve] o(s)
fenómeno(s) é sintomática [particularmente quando utilizada pelos
fazedores dos "media"]:

1. Na capa da Visão de 29 de Junho, a montagem dos retratos-meio-corpo
de Figo e Beckham agiganta-os tanto como o título: "Duelo de
gigantes". O desenvolvimento no interior tem título ainda mais
"sugestivo" ("O combate dos deuses"), classifica o jogo
Portugal-Inglaterra como "histórico e dramático" e refere-se ao
"espírito guerreiro", que ilustra com uma foto de Ricardo Carvalho em
pose de combatente, esclarecendo que foi este jogador quem
"evidenciou, na defesa, o espírito guerreiro da selecção".



2. A imprensa publicada no dia do jogo Portugal-França não foi menos
comedida [a lembrar nalguns casos o "espírito" da t-shirt que o meu
vizinho vestiu, dominada pela promessa colorida -- adivinhem-lhe as
cores! -- de que "até os comemos!"]: O Record e o Jornal de Notícias,
cautelosa mas sugestivamente, garantiam que, neste "dia mágico", os
jogadores da selecção estavam "prontos para a final". O Público, esse
asseverava que "já ganhámos tudo mesmo se perdermos". A Bola prometia
a conquista de Berlim e O Jogo, que o galo francês iria ficar sem penas.

3. Especialistas em linguagem labial juram que o treinador Scolari
reza nas grandes penalidades, ele que, segundo parece, também manda
pôr velinhas a Nossa Senhora de não-sei-quê. Quanto ao guarda-redes
Ricardo, sabe-se que é homem de ir a Fátima a pé agradecer as vitórias
à Virgem local. É a mulher do mesmo guarda-redes que lembra que o
marido "é um herói nacional" [é-se herói por defender uns penáltis?!
-- pergunto eu].

.....1.........0.....

4. Mas ontem os deuses foram franceses [e a Virgem de Lourdes venceu a
Virgem de Fátima]. Segundo Scolari, o que aconteceu foi porque
Portugal é um patinho feio [só ontem ou já antes? -- pergunto eu].
Os jogadores e o seleccionador franceses já tinham dito que achavam os
jogadores portugueses uns fiteiros. Pelos vistos, o seleccionador também - digo eu.

5. Há dias José Carlos de Vasconcelos escrevia: "[...] é excelente
ficar pelo menos entre os oito melhores do Mundo[...]. Claro que seria
muito melhor estarmos nessa posição nos índices de nível de vida,
desenvolvimento, literacia -- e por aí fora". É pena que a coisa não
vá por aí fora e se fique só pelos futebóis. O Jornal de Notícias de
hoje lamenta: "O sonho acabou". Provavelmente, Portugal também."

LAICO, MAS SEM EXAGEROS...



Dia 8 de Julho do ano de Deus Nosso Senhor 2006. Estugarda, Alemanha. Sua Excelência o Presidente da República Portuguesa, um Estado Laico - de acordo com a Constituição - (ou terá sido, apenas, o cidadão Aníbal Cavaco Silva?) aproxima-se do estádio onde vão defrontar-se a equipa da Federação Portuguesa de Futebol e a equipa da Federação Alemã de Futebol (julgo que é assim que se chama; se não for, corrijam-me nos comentários). Os "pés-de-microfone" de serviço, acolitados pelas respectivas câmaras, assediam Sua Excelência o Presidente da República Portuguesa, um Estado Laico - de acordo com a Constituição - (ou terá sido, apenas, o cidadão Aníbal Cavaco Silva?), a quem colocam as mais diversas questões - ou fazem as mais diversas perguntas, como se diz em português.
Sua Excelência o Presidente da República Portuguesa, um Estado Laico - de acordo com a Constituição - (ou terá sido, apenas, o cidadão Aníbal Cavaco Silva?), vai respondendo "a destra e a sinistra", e mostra-se confiante na vitória da equipa da Federação Portuguesa de Futebol. E, à pergunta sobre se tem fé na vitória da equipa da FPF, para que não restassem dúvidas, Sua Excelência o Presidente da República Portuguesa, um Estado Laico - de acordo com a Constituição - (ou terá sido, apenas, o cidadão Aníbal Cavaco Silva?) rematou, absolutamente imparável:
- Claro que temos fé. Somos crentes, somos católicos!

Assim falou Sua Excelência o Presidente da República Portuguesa, um Estado Laico - de acordo com a Constituição - (ou terá sido, apenas, o cidadão Aníbal Cavaco Silva?).

E BIBÓPORTO, CARAGO!!!!


Começo por dizer que me considero absolutamente insuspeito, quando falo (ou escrevo) acerca do Porto. Embora tenha nascido na "Cidade Invicta" e ali tenha sido criado, a verdade é que não posso esconder a minha predilecção por Vila Nova de Gaia. Aí, sim! Sentado numa esplanada à beira-rio, diante de um copo de fresca cerveja, delicio-me... a olhar para o Porto.

Obviamente, resulta absurdo, incongruente e paradoxal, baptizar um blogue com "À Moda do Porto", afinfar-lhe com o endereço "blogdastripas" e, no fm, desatar a falar de tudo menos... do Porto.
Vou falar dele, naturalmente; e considerando que, como se diz em jornalismo, "uma imagem vale mais que mil palavras" (o Fidel Castro saberá disto?), vou ilustrar as minhas falas com belas imagens.
Claro que não posso deixar de plasmar o meu agradecimento ao particular amigo e antigo companheiro de algumas aventuras, Tomé Afonso, que até pode ter uma boa máquina fotográfica; até pode ter uma lente espectacular; mas tudo isso, compra-se. O que não se compra, é o "olho" para a fotografia. E isso, o Tomé Afonso tem!

Pelo Alentejo


O Alentejo é lindo!!!
Foi uma grata surpresa, viajar por este mundo tão ignorado.