2009-12-30

O NOVO SANTO PORTUGUÊS

Refinadamente retirado do "Diário Ateísta".


Um artigo de Moisés Espírito Santo no «Jornal de Leiria»:

Falo de Nun’Alvares.

Até há pouco, as mulheres ameaçavam os miúdos com «Olha que eu chamo o Dom Nuno!». Um papão.

Os portugueses só o conhecem porque ele derrotou os espanhóis. Em Aljubarrota foram 36.000, para além dos 7 de que se encarregou a padeira.

Invocou Santa Maria – que só será Mãe dos portugueses e não dos espanhóis – venceu. Esta mitologia merece tanto crédito como as lendas de feiticeiras; o problema é que, repetida hoje, significa estagnação cultural. Ideologia rústica fora do tempo.

O povo vai venerar um santo só porque ele derrotou os espanhóis. (Ficamos à espera que seja canonizado o régulo Gungunhana que se sacrificou pela independência da sua pátria, Moçambique…).

O Dicionário de História de Portugal, de Joel Serrão, lemos isto: «[Nun’Alvares] exigia sempre uma disciplina rigorosa e o exacto cumprimento das suas ordens; se isso não sucedia tornava-se bravo como um leão, chegando a matar os cavalos e a ferir os corpos dos descuidados, se eram pessoas de mais pequena condição».

Entenderam: «se eram pessoas de mais baixa condição».

Cavaco Silva, ao integrar a comissão de honra da canonização, disse que «pode ser um exemplo para os portugueses». Eu diria que exemplos desses já temos de sobra: uma Justiça que condena os pobres e absolve os ricos; os trabalhadores pagam impostos enquanto os políticos e suas famílias acumulam milhões com a corrupção, os banqueiros a apropriarem-se dos dinheiros dos clientes…

Preferia ver o responsável máximo da Nação – que, hoje, é amiga de Espanha – a abster-se desses conluios patriotiqueiros e a apontar os espanhóis como exemplo de civismo, criatividade e empreendedorismo.

Não foi pelas qualidades guerreiras do Condestável que o Vaticano o canonizou. Seria porque, já velho e impotente, se recolheu a um convento onde viveu 8 anos ? (Diz o ditado: «O diabo depois de velho fez-se ermitão»).

Não consta que tivesse dado as suas riquezas aos pobres, como se diz agora. Que se dedicasse a tarefas conventuais, milhões de frades o fizeram.

No entanto, o mesmo historiador que citei diz: «Por baixo do hábito de frade, Nun’ Álvares trazia por vezes vestido o seu arnez de combatente».

Estão a ver? Um belicoso disfarçado de frade.

Foi pelo milagre do salpico de azeite quente que saltou para a vista duma mulher de Ourém e que não a cegou?

Porque foi? E porque só agora? Política vaticana.

A beatificação, em 1918, visou combater as Repúblicas portuguesa e espanhola, liberais. Depois o processo foi p’ra gaveta, por cumplicidade com os fascismos ibéricos.

Agora, como o Condestável foi anti-espanhol, saiu dos arquivos para a actual guerrilha entre a Espanha e o Vaticano (este já não tem mão duma nação que foi a mais católica do Globo).

Primeiro foi a lei sobre o aborto. Depois, o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo que levou os bispos espanhóis a saírem à rua em manifestação (coisa nunca vista – para combater uma lei democrática).

Bento XVI até veio a Espanha apoiar os bispos num congresso em favor da «família tradicional».

Hoje há o problema das aulas de Religião e Moral que o governo substituiu por Educação Cívica, e o programa da Memória Histórica sobre a guerra civil a que a Igreja – que foi co-responsável nessa guerra – se opõe («para não abrir feridas», diz ela).

Se isto fosse em países como Inglaterra, Alemanha ou França, laicos ou protestantes de longa data, passons como dizem os franceses.

Vindo de Espanha que foi a católica por excelência, no pasaran como diriam os bispos espanhóis. E passaram.

Então… «Tomem lá com o Condestável português que vos derrotou!» (Sendo eles como são, faz-lhes tanta mossa como mostrar-lhes um espantalho).

Esta canonização é a reprodução da de Santa Joana d’Arc, rapariga francesa que derrotou os ingleses invasores da França, em Orléans (1429); mas foi entregue traiçoeiramente aos ingleses que a condenaram à fogueira por heresia (1431).

Só foi beatificada em 1909 e canonizada em 1920, uma época de fundamentalismo católico… contra a Inglaterra protestante.

E, com este costume medieval de inventar santos e de os pôr a fazer política, é a imagem do Vaticano que fica muito aquém das culturas da modernidade.

2009-12-24

ELE VAI SER SANTO!!!

Joseph Ratzinger, o B16 para os amigos, prepara-se para mandar João Paulo dois ou JP2, para a lista dos santos. Entre outras virtudes do futuro santo, que são inúmeras, contam-se a profunda amizade para com o sanguinário ditador Pinochet.

O Natal dos cínicos

É Natal. Por norma, é época de caridade. Que se cumpre, diga-se de passagem. Porque a solidariedade não tem épocas

De facto, em tudo quanto é televisão, multiplicam-se organizações, na razão directa do número de holofotes e câmaras. Não se multiplicam, amontoam-se, colocando-se em bicos de pés, só lhes faltando o célebre letreiro "Mãe, estou aqui". E são ceias natalícias, e são cobertores… E são reportagens televisivas acerca do assunto, sempre que possível ao vivo e a cores.

E eu pergunto: onde andam, os pobres, durante os restantes onze meses do ano, que ninguém os vê? Será que só têm fome e frio em Dezembro? Será que são pobres "sazonais"? De que se alimentam, entre Janeiro e Novembro, que a comunicação social pouco ou nada refere e, como dizia uma excelente jornalista, que faz o favor de ser minha amiga, "se não há notícia, não aconteceu"? Onde andam as caridosas organizações?

Claro que há excepções. Há instituições que, na dignidade do silêncio, acorrem aos mais desfavorecidos durante TODOS os dias do ano. Mas essas não aparecem nas parangonas de Dezembro. Porque não praticam a caridade, mas sim a digna solidariedade. Porque a solidariedade pratica-se na humildade discreta; a caridade necessita – sempre necessitou – de publicidade.

2009-11-26

OPUS DEI



Imagine a sua mente sendo monitorada 24 horas por dia. Você está num lugar onde não é permitido ver televisão ou ir ao cinema. Até o jornal chega editado às suas mãos. Ninguém pode ter amigos do lado de fora e o contacto com a família é restrito.

Leia mais….

2009-11-15

COMO ESTAMOS DE DIREITO?

Confesso, desde já, que os meus conhecimentos de direito andam a flutuar entre o nulo e o não percebes patavina. Por isso, não creditem muito no que vou dizer. Mas leiam, já agora...
O nosso ordenamento jurídico proíbe que sejam apresentadas como válidas as provas recolhidas de forma ilegal. Isto é, e por exemplo, se é ordenada uma busca domiciliária, e se os investigadores se enganam na porta e buscam a casa ao lado e encontram quilos de droga, é garantido que o dono do produto só tem um caminho a seguir: é a liberdade, porque a busca não foi autorizada, ou seja, a prova do crime foi obtida ilegalmente, uma vez que a busca para aquela casa não estava autorizada. Estava autorizada para a casa do vizinho. Julgo que a lei não diz, claramente, o que se faz à droga, mas o destino mais lógico é devolvê-la ao legítimo proprietário.
Penso eu de que...
Quando se organiza uma escuta telefónica, a mesma é, no limite mínimo, destinada a uma pessoa. Há um indivíduo suspeito de práticas criminosas, o juiz autoriza a escuta e a mesma é montada. Normalmente, e a menos que o suspeito, além de ser suspeito também seja maluco, quando telefona telefona para alguém - uma vez que parece não ser possível telefonar para si próprio, a menos que tenha dois telefones e se ponha a falar sozinho - o que até nem fará lá muito sentido, embora haja gente para tudo. Ou seja: ou telefona para alguém, ou recebe telefonemas de alguém. Naturalmente, esse alguém também aparece na escuta. É lógico, intuitivo, evidente e racional. Só que a escuta a esse alguém não está autorizada. O que significa que se esse alguém disser, por exemplo, eu recebi dez mil euros para fazer um frete, e isto é mera hipótese, essa declaração não pode ser apresentada como prova em tribunal. Ou pode, mas o tribunal tem o dever de não lhe dar qualquer valor. O que já não acontece se for o suspeito a dizer essa frase.
Mas a lei portuguesa também diz que ao tomar conhecimento de um facto criminoso, as autoridades têm o dever de investigar. Assim, no caso em apreço e que nos está a servir de mero exemplo, a semelhança com a realidade só pode ser mera coincidência, a autoridade que procede à escuta tem o dever de comunicar que o tal alguém afirmou ter recebido dez mil euros para partir daí para uma investigação.
José Sócrates não estava a ser escutado; Armando Vara estava. José Sócrates terá dito, quando conversava ao telefone com o escutado, algo que, no entender do Ministério Público de Aveiro, pode integrar a prática de um crime contra o Estado. Mas o que José Sócrates alegadamente disse, não pode servir como prova, uma vez que o escutado não era ele. Mas pode, e deve, servir de ponto de partida para uma investigação. Daí que todo esse fogo de artifício de que a escuta a Sócrates era ilegal, são papas e bolos para (continuar a) enganar os tolos. Sócrates nem sequer estava a ser escutado, no sentido técnico do termo, ponto final.
Diz-se, por aí, que o Supremo Tribunal de Justiça mandou destruir as escutas. O STJ desmente, ao que parece. Pela parte que me diz respeito, não acredito na teoria da destruição, embora parta do princípio de que Sócrates não tem nada que se lhe aponte, e se querem ter a certeza perguntem-lhe a ele.
Por isso, ou antes, apesar disso, não acredito que o STJ tenha ordenado a destruição das escutas. Embora eu tenha o dever de não me esquecer de que estou em Portugal...

2009-11-10

NÃO SE CONVENCEM?

A Constituição da República Portuguesa diz claramente que a Igreja está separada do Estado - por muitos engulhos que isso possa fazer quer ao Sr. Aníbal Cavaco Silva quer ao actual presidente da República. Eu admito que aprendi a ler há muitos anos e que posso estar um bocado esquecido; mas se bem me lembro, isso quer dizer, em português decente e escorreito, "cada macaco no seu galho".
Ou seja, tipo "não te metas na minha vida, que eu não me meto na tua".
Mas a Igreja não se convence. E vai daí, toca a meter o bedelho eu tudo o que não lhe diga respeito. Faz-me lembrar aqueles tipos baixinhos que se colocam em bicos de pés, para serem vistos, ou aqueles parolos que, às vezes, aparecem na televisão com os letreiros "mãe, estou aqui".
Concorde-se ou não, o Governo pretende legalizar, pelo casamento, as uniões de facto entre pessoas do mesmo sexo. Para quem ainda não percebeu, e parece que a turba sotainada demora a perceber, o Governo quer permitir casamento civil entre pessoas do mesmo sexo. Sim, eu escrevi casamento civil, porque não me passa pela cabeça que o Governo vá exigir casamento religioso. Era absurdo e completamente estúpido. Tão absurdo e tão estúpido como a Igreja querer forçar o referendo às intenções do Governo. Pela simples razão de que a democracia, palavra que os senhores clérigos desconhecem, implica reciprocidade. E não me recordo de o Governo ter querido referendar a canonização do guerreiro Nuno Álvares Pereira, oportuna e escandalosamente transformado em oftalmologista pela ICAR, por ter curado o olho esquerdo da D. Guilhermina de Jesus, que se queimou com um salpico de azeite ao fritar peixe.
Que a Igreja queira proibir os casamentos religiosos entre pessoas do mesmo sexo, é um direito que legitimamente lhe assiste. Tal como como é legítimo o direito de o Governo português pretender legalizar contratualmente (há quem lhe chame casamento) essa mesma união.
Haja decoro, se faz favor.
Foto: Diário de Notícias

2009-10-31

A JUDICIÁRIA ESTÁ A TRABALHAR MAL!



Eu sei, e assumo desde já, que o título é polémico; mas estou à vontade para o escrever as vezes que forem precisas: é que eu fui funcionário de investigação criminal na PJ durante trinta e três anos. Por isso, acho-me com legitimidade para afirmar, alto e bom som: a Polícia Judiciária está a trabalhar mal!

No meu tempo (como eu adoro esta frase!), malandro que caísse nas mãos da PJ estava feito: mais tarde ou mais cedo iria malhar com os ossos na cadeia. Mas ia com razão, bastava-lhe, por exemplo, mijar fora do penico. Desde que o facto fosse considerado delituoso, nem que fosse o simples roubar uma galinha, o gajo estava dentro. Por outras palavras: se a PJ ia bater à porta de um indivíduo, era porque esse indivíduo já era meliante.

Hoje, as coisas não são assim, infelizmente: por razões que me escapam completamente, mas a que não deve estar alheia a paz e a ordem que reinam no nosso Portugal, e a necessidade de arranjar trabalho a qualquer preço, que o lay-off não interessa a ninguém, e o desemprego muito menos, a Polícia Judiciária dedica-se a estorvar a vida de inocentes cidadãos. Não só inocentes, mas impolutos, acima de qualquer suspeita. O que se lastima, francamente. E se há quem duvide do que afirmo, por favor passe a ler jornais ou, se quiser ter menos trabalho, veja e ouça a televisão. E é vê-los, em tudo quanto é tempo de antena, a berrar estou inocente. No meu tempo, não diziam isso, sabiam que não adiantava, porque não estavam inocentes. Quando muito, diziam recuso-me a confessar. Eram suficientemente honestos para não virem mandar areia para os olhos do povo, berrando estou inocente. Também há quem diga eu confio na justiça. Porra, essa então é que os meus arguidos nunca diziam! Quem confiava na justiça era eu e os meus colegas, pois sabíamos que os nossos clientes iam levar pela medida grande. Mas os arguidos de hoje confiam na justiça. Eles lá sabem porquê… Aliás eu, se estivesse no ligar deles, ou seja, inocente, também confiava. Outra frase que os injustamente acusados pronunciam frequentemente, é a verdade há-de vir ao de cima. Pois… Ainda bem que assim é, porque os clientes do tempo em que eu trabalhava não queriam que a verdade viesse ao de cima. Estavam tramados.

Figuras de proa da nossa sociedade e, até, governantes e/ou ex-governantes, têm sido a prova provada do mau trabalho da Polícia Judiciária. Foram, ou estão a ser, incomodados pela entidade que deveria ser uma polícia de investigação por excelência. Incomodados injustamente, como eles – e eu assino por baixo – reclamam.

Meus senhores, tenham paciência: quem está a ocupar cargos de responsabilidade, em lugares como ministérios, conselhos administrativos, enfim, lugares em que o Estado, directa ou indirectamente, interfere, são pessoas acima de qualquer suspeita. Já nascem assim, e assim serão para todo o sempre, não cedendo a pressões, cunhas, compadrios, negócios escuros, luvas, ou a qualquer outro tipo de manifestações de corrupção. São incorruptas e incorruptíveis.

Já ofereci os meus préstimos para que a PJ voltasse aos tempos áureos de prender ou incomodar culpados, criminosos a sério, e que as palavras presumível , e/ou alegadamente, deixassem de existir. Não aceitaram. Aliás, nem me deram cavaco. E cá vou eu, vegetando nesta apagada e vil aposentação. E, o que é mais grave, com o passar do tempo comecei a tornar-me mentiroso.

2009-10-30

POUPEMOS PAPEL


Todos os dias somos aconselhados a poupar no uso do papel. Parece que é preciso deitar árvores abaixo para fabricar papel, e a floresta é um bem precioso, que é urgente preservar. Coisa linda, a floresta! Mas a verdade é que, ao que parece, há árvores que são plantadas de propósito para fabricar papel. É o caso dos eucaliptos, e não é por mero acaso que Portugal se transformou num imenso eucaliptal. Essas árvores foram plantadas para produzir pasta de papel.

No entanto, ninguém faz apelo a que se arranje outro material para construis mobiliário. Que, por acaso, também é feito em madeira. E não me consta que alguém tenha mandado plantar árvores – nogueira, mogno, castanheiro, por exemplo – para produzir móveis. Há algo que me está a escapar… Então, não se pode derrubar florestas de árvores para produzir papel, e pode-se destruir florestas de árvores que NÃO são destinadas ao mobiliário?

Bom, adiante. Há dias fui assediado por duas empresas no sentido de aderir à factura electrónica. Coisa linda, a factura electrónica: poupa-se no papel, poupa-se nas arvorezinhas, coitadinhas, e o ambiente agradece. E os accionistas também. Perguntei à aliás simpática senhora, uma de cada empresa, tá-se a ver, o que é que eu ganhava com isso. Nada, responderam as senhoras – uma de cada vez, claro. Mas ganha o ambiente.

Vamos fazer contas devagarinho, que eu sou uma merda em matemática: se, entre papel A4, envelope, tinta de impressora e selo de correio a empresa gastar, e estou a nivelar por baixo, cinquenta cêntimos, nem me aquece nem arrefece, ao fim do mês. Mas esses cinquenta cêntimos a multiplicar, e ainda a nivelar por baixo, por um milhão de consumidores, vai dar quinhentos mil euros. Que vão encher os bolsos dos accionistas, como acima disse.

Eu até era capaz de aderir, se me garantissem que esses quinhentos mil euros eram entregues a instituições de solidariedade social. Mas não me consta que seja esse o caso. Não há almoços grátis, está provado.

Vai daí, mandei-os à merda. E eles continuam a mandar a factura em papel. Pelo menos, evito o despedimento dos funcionários encarregados de lamber os envelopes. O que já é uma boa causa.

2009-10-29

MOMENTO DE POESIA

Não podia, de forma alguma, deixar quieto este belo poema. Tinha de o roubar do Diário Ateísta.
Aqui o reproduzo, com a devida vénia, e com o meu agradecimento ao Raul Pereira :


Desde que nasce o sol até que é posto

Governa o lavrador o curvo arado,

E de anos o soldado carregado

Peleja, quer por força, quer por gosto:


Cristalino suor alaga o rosto

Do barqueiro, do remo calejado;

Do cascavel ao dente envenenado

Anda o rude algodista sempre exposto:


Trabalha o pobre desde a tenra idade;

O destro pescador lanços sacode

Para escapar da fome à atrocidade;


Todos trabalham, pois que ninguém pode

Comer sem trabalhar; somente o frade

Come, bebe, descansa e depois fode.


Antologia poética de António Lobo de Carvalho, poeta satírico vimaranense do séc. XVIII.

[via Torre dos Cães, há muito inactivo, para mal dos nossos pecados]

2009-10-19

A LÍNGUA PORTUGUESA...

É terrível. Traiçoeira. Prega partidas que nem ao Diabo lembram. Está um simpático jornalista a escrever uma notícia, e... pimba! A língua portuguesa prega-lhe uma rasteira. Vejam só: Mas, quando se preparava para colocar as manilhas da conduta de água, num buraco com mais de seis metros de altura, João Ramos foi atingido por uma desmoronamento de terras.(1)
Ou seja, o trabalhador estava a escavar o buraco para cima. Afinal, os buracos têm altura, ou têm profundidade?

(1) Correio da Manhã de 2009/10/19

2009-10-18

ESPANHA E O ABORTO

A Igreja espanhola e alguns sectores mais conservadores promoveram, em Espanha, uma manifestação contra o aborto. Julgo que em Espanha, tal como em Portugal, existe o direito de manifestação, o que é bonito. Mas a verdade é que o tipo de entidade patrocinadora que, aliás, nem se fez representar, escondendo-se cobardemente, e o objecto da manifestação obrigam-se a reflectir profundamente.
É o que vou fazer, e seja o que deus quiser.
Nas sociedades mais a ocidente, e isto é um mero exemplo, existem, normalmente, dois tipos de leis: as divinas e as humanas, sendo que as humanas são, na maior parte das vezes, plágios foleiros das leis divinas que, como toda a gente sabe, são perfeitas - ou não fossem elas divinas. Ora, um católico que se preze ante de cumprir as leis humanas deve cumprir as leis divinas. Ou seja: deve estar-se, positivamente, borrifando para as leis humanas, porque as divinas é que é. Ou seja, outra vez, não precisa das leis humanas para nada.
A ICAR sabe, ou devia saber, disso. Qualquer aprendiz de padre sabe que uma católica:
  1. Não tem sexo antes do casamento.
  2. Não tem sexo fora do casamento.
  3. Não tem sexo em período fértil, a menos que deseje ter um filho que o Senhor se dignar conceder-lhe.
  4. Não pratica o abominável aborto. Pelo que não se compreendem as pias preocupações.
Ora, sendo assim, essas manifestações mais não são do que exercícios de folclore patético, porquanto:
  1. As mulheres católicas não praticam o aborto, e eu sou o coelhinho da Páscoa
  2. Os ateus estão-se borrifando para essas manifs.
Finalmente, e se uma vez por todas, senhores padres e companhia: NINGUÉM É OBRIGADO A ABORTAR. Aborta só quem quer e, como acima vimos, as católicas não querem.
Ou será que a ICAR está a aperceber-se de que nem as católicas ligam às ordens dos padres, e eles ainda não viram que é melhor mudar de profissão, que esta está cada vez mais pelas ruas da amargura?

2009-10-17

OREMUS...

Não podia deixar de postar esta belíssima oração, que me foi enviada por uma querida amiga de Terras de Vera Cruz. Ela aqui vai, com uma saudação muito especial para a Dora:


2009-10-15

ESTÁ PARA SAIR...

Está para sair o novo livro do jovem e talentoso autor literário José Carlos Moreira, que ameaça tornar-se uma figura incontornável das letras.

Escrito na linguagem irónica e, por vezes, satírica, que lhe granjeou a justa fama cuja inefável aura o envolve, refiro-me ao autor, "Enquanto As Armas Falavam" arrisca-se a tornar-se um best-seller sem precedentes no panorama literário nacional. Pelo que aconselho a reserva antecipada do seu exemplar.
Depois não diga que não avisei.

VAI ACONTECER ALGO?


A Entidade Reguladora da Comunicação divulgou um comunicado segundo o qual foi ilegal a decisão de pôr fim ao "Jornal Nacional" das sextas-feiras da TVI. Não se vai julgar a qualidade do programa: goste-se ou não dele, a ERC definiu a sua extinção como ilegal.
Confesso que não percebo nada de leis de imprensa, mas conheço o país em que vivo e os políticos que o governam (?). Daí as minhas perguntas:
  1. Apesar de a ERC falar, algo vagamente, em processo contra-ordenacional, alguém vai ser responsabilizado, ou vai sobrar para o porteiro - na melhor das hipóteses para o arrumador do parque automóvel?
  2. O programa vai ser reposto? Porque se o não for, então mais valia a ERC ter ficado caladinha, que a gente já esqueceu isso, com o conflito internacional Maité Proença.
  3. Ou será que o caso vai ter o destino de outros casos: o artigo cesto?

2009-10-14

FÁTIMA EM LAY-OFF?

Acho que a ICAR não está a acompanhar os "sinais dos tempos"...

Qualquer empresa que se preze mantém as suas actividades de forma ininterrupta ao longo do ano. Ora, a empresa "Fátima SARL" inicia a sua temporada em Maio, ainda por cima a meio do mês, e termina-a com as promoções de Outubro. Não sei porquê, faz-me lembrar as épocas taurinas, que deus me perdoe. Eu sei que a senhora também precisa de algum descanso porque durante esses cerca de cinco meses a sua actividade deve ser intensa, ele é pedidos, vulgo cunhas, ele é o conferir o cumprimento das promessas, sim, que isto de fazer promessas e não as cumprir não é para todos, só os políticos estão autorizados, ele é o cheiro a cera queimada, que sempre deve incomodar um bocadinho, aliás basta ler a Bíblia para se constatar que naquelas bandas se aprecia mais o cheiro do churrasco, e se clhar é por isso que o negócio fatímico entra em "lay-off". Mas também me parece que cinco meses é pouco, mesmo que o dinheiro seja muito, mas a verdade é que não me consta que a senhora veja um tusto do dinheiro que cai na empresa. Também é verdade que durante esses meses as condições atmosféricas sempre são mais favoráveis, o que é bom, porque as altas esferas da religião, e refiro-me à senhora e excelso marido ou, pelo menos, pai da criança, ainda não teve poder para arranjar um micro-clima para aquela região, assim do género "sol na eira e chuva no nabal". Tudo bem, o tipo é todo-poderoso, mas também acho que mesmo isso tem limites, pronto, não se pode poder tudo.

De qualquer modo, quam não aproveitou as últimas promoções de Outono, já fica a saber que só lá para Maio de 2010 é que há mais. Desta vez, com o presidente do censelho de administração e tudo, que sempre se dignou visitar a loja.

Daí que eu era capaz de propor um alargamento da época que podia, perfeitamente, começar no Equinócio da Primavera, mesmo que acabasse em Outubro, na mesma, para as pessoas não andarem à chuva, que isso de milagres não tem nada a ver com a meteorologia.

O pior é se eu proponho e os gajos aceitam.

O melhor é estar calado...

2009-10-09

NÃO ESTÁ PROVADO...

Há dias, numa das habituais reuniões de aposentados, com os pés devidamente debaixo da mesa, como convém, e com a mesa não vazia, também como convém, um colega chamava-me a atenção para om facto curioso e que, até então, me tinha passado despercebido. Quando confrontadas com acusações de maus comportamentos, do tipo saco azul ou sobrinhos ricos na Suiça, e isto só por exemplo, as figuras, normalmente públicas, costumam argumentar que "não ficou provado". Isto quando, por um azar do caraças, ou para dar a ideia de que a justiça é igual para todos, essas figuras acabam por se sentar no banco dos réus (aliás, há que alterar esta designação. Já não há réus, há presumíveis isto ou aquilo).
Com efeito, e graças à democrática legislação portuguesa, os factos delituosos só são provados em tribunal.
Mas a verdade é que, e contrariamente ao que se propala, essas figuras públicas, ou figurões, como lhes queiram chamar, não mentem. E quando alguém lhes diz, também por exemplo, "você tinha um saco azul", ou "você é acusado de favorecer o Quim ou o Manel" e eles respondem "não ficou provado", estão a dizer a verdade. Não estão a dizer que NÃO meteram a mão ao prato, ou que não favoreceram A ou B, estão a dizer que NÃO ficou provado. O que é diferente.
O facto de não se ter produzido prova em tribunal, significa isso mesmo: não se provou.
Não significa que o acto não existiu.

2009-09-25

O PAPA VEM A PORTUGAL

À Comunicação Social

Com a devida vénia, transcrevo um comunicado da Associação Ateísta Portuguesa acerca do assunto em epígrafe.

Comunicado sobre a vinda do Papa a Fátima


A Associação Ateísta Portuguesa (AAP) respeita, e defende, a liberdade de crença de todos os religiosos, não se opondo à visita de qualquer líder religioso enquanto tal. Mas é preocupante que a visita de Bento XVI a Fátima, em Maio de 2010, seja palco de manobras políticas, com a cumplicidade do Estado, violando a laicidade a que este é obrigado e desrespeitando crentes e não crentes.

A visita de um papa católico é assunto da Igreja católica e não matéria do Estado português. Num Estado laico o Papa é apenas um líder religioso. Que o cidadão Cavaco Silva se regozije é um direito; que o chefe de Estado de um País laico exulte com a visita do seu líder espiritual é uma interferência nefasta da política na religião, e vice-versa; e que essa visita tenha sido anunciada fora de tempo, contra a vontade da própria Conferência Episcopal, é uma politização inadmissível daquilo que é apenas matéria de crença pessoal.

Fátima é um dos santuários mais importantes e rentáveis da Igreja católica. Estes aspectos de fé e gestão religiosa justificam a visita do Papa, mas é lamentável que esta deslocação seja considerada – como disse o bispo Carlos Azevedo – «uma visita de profundo significado, também por ser o centenário da implantação da República». Fátima foi um instrumento da propaganda contra a República e contra o socialismo. Os milagres tentados noutros locais do país acabaram adjudicados numa região onde a religiosidade e o analfabetismo os facilitava. E, hoje, a crença nas piruetas do Sol, passeios da Virgem pelas azinheiras e aterragem de anjos na Cova da Iria são uma opção pessoal, motivada pela fé e não por provas objectivas, e sem qualquer relação com a nossa forma actual de governo.

Associar a visita do Papa ao Centenário da República é uma afronta à nossa democracia, que historicamente foi implantada, e muitas vezes defendida, contra a vontade da Igreja Católica. Viola também a neutralidade a que o Estado é obrigado em matéria de fé, imiscuindo-se um órgão de soberania em algo que é estritamente do foro pessoal de cada cidadão. E, finalmente, atenta contra a liberdade de crença e não crença de cada um, ao envolver os nossos dirigentes, e a própria República, na ligação a uma religião em particular.

A AAP não pode deixar de repudiar a associação do Estado português à visita de um líder religioso e o seu aproveitamento político numa tentativa de manipular a nossa democracia.


Associação Ateísta Portuguesa – Odivelas, 25 de Setembro de 2009

Carlos Esperança

(Presidente da Direcção)



2009-09-23

ESTÃO MAIS PRUDENTES?

Uma das coisas de que posso gabar é a de querer saber coisas. Isto é, estar actualizado. Up-to-date, não sei se estão a perceber... Por isso, há dias coloquei, na minha página do Facebook, a seguinte pergunta:
Alguém me diga: houve alguma alteração ao Código da Estrada? É que só encontro automobilistas com os médios ligados, em pleno dia e com o sol a brilhar... Será que é nova lei e eu ando em transgressão, ou será nova moda? Como podem verificar, preocupo-me com as actualizações do Código da Estrada.
Recebi duas respostas: uma delas, dizia:
SER VISTO VALE MAIS DO QUE VER... em auto/estrada ou estradas com sombras, uso sempre os médios... não pago mais por isso e vou mais segura. A outra, opinava: candeia que vai à frente... Dei comigo a pensar que, afinal, os condutores portugueses, tidos como autênticos barbeiros da condução - sem desprimor para os barbeiros, principalmente o meu, que costuma ter a navalha bem afiada - tornaram-se prudentes. E foi de repente, porque esta coisa de andar com os faróis acesos durante o dia e com o sol a brilhar é coisa recente. Aliás, ainda há dias rolava alegremente à minha frente, um automóvel com luz traseira de nevoeiro acesa. E o sol brilhava intensamente.E a luz de nevoeiro brilhava intensamente. Era a candeia que vai atrás, se calhar... Não há nada como a prudência, e isso é bom. Porque os portugas continuam a conduzir com o telemóvel colado à orelha, mas acendem os faróis de dia; levam as crianças soltas no banco traseiro (às vezes no dianteiro) mas conduzem com os "médios" ligados; passam pela frente de quem vai tranquilo na sua direita, para saírem no acesso logo a seguir; passeiam-se tranquilamente pela faixa esquerda da faixa de rodagem, provavelmente com os faróis ligados, que a prudência é uma coisa muito linda.
Ná! Para mim, é mais uma moda. Aliás, a condução também cede aos caprichos da moda. Por exemplo, há anos era moda arrancar com os pneus a chiar. Para gáudio dos vendedores de pneus, naturalmente. Mais tarde, num passado ainda recente, era moda accionar o travão de mão à mais pequena paragem - nem que fosse para deixar uma velhinha atravessar a rua. E era uma alegria ouvir, nos engarrafamentos, a suave melodia dos "crrrac"a cada paragem dos carros. Infelizmente, acabaram com isso. Mas temos, para nossa alegria, a cidade mais iluminada.

2009-09-18

AGORA JÁ SEI

Eu sempre disse que este Governo era bom, os portugueses é que são burros. E como são burros e não percebem nada disto, não exercem os seus direitos.
Afinal, quando um gajo é apanhado a conduzir com uma bebedeira monumental, quando vao a 200 à hora,, quando circula pela faixa esquerda da auto-estrada, isto só para dar alguns exemplos, os mais corriqueiros, já não é obrigado a pagar coima. Só paga se quiser. Porque se alegar o exercício de liberdades, a coima é imediatamente perdoada.
As coisas que eles sabem!...
Será que também dá para fazer compras no "Continente"?
Já agora, outra pergunta: se os carros fosses do PSD também dava para alegar exercício de liberdades?

2009-09-15

ESTAMOS BEM, GRAÇAS A DEUS

Acabo de ouver (para quem não sabe: ouver novo verbo que significa ouvir e ver ao mesmo tempo. Fui eu que inventei.) na TVI, que desde a reforma penal há menos cerca de 1500 detidos nas prisões portuguesas. E eu, que sou um bocado idiota, mas isso já é de nascença, fico na dúvida: se há menos presos é porque há menos crimes, ou estão todos a fugir das prisões? Estão a contar com os que não se apresentam depois das saídas precárias? E os que estão com pulseira e, mesmo assim, conseguem fazer assaltos?
Depois de ter pensado um bocado, aliás um bom bocado, consegui (finalmente!) chegar a uma conclusão brilhante: estamos em vésperas de eleições. O primeiro ministro já ameaçou que se ganhar as eleições vai mudar o Governo, mas só alguns ministros. Não disse quais. Daí que todos tentem dar o seu melhor para engraxar o chefe. Nem que seja preciso inventar.
Quem lê, de repente e, principalmente, quando é traduzido para uma língua estrangeira, nem que seja o espanhol, fica com a ideia de que a criminalidade está a baixar, em Portugal. É assim como há menos escaldões nos meses de Novembro a Fevereiro, o índice de analfabetismo vai baixando à medida que os analfabetos vão morrendo, há menos acidentes na estrada na medida em que sobe o preço da gasolina, etc. E o Zé Pagode vai bebendo estes refrescos. Esquecendo-se de que a reforma penal é aquela que permite que um homicida só seja posto em prisão preventiva se for apanhado em flagrante delito, que a prova só seja produzida em tribunal (o que é lindo e politicamente correcto, mas dá para que as testemunhas digam que é branco o que na PJ era preto), porque os polícias costumam bater nas pessoas, e por aí fora.
O que me leva a fazer uma proposta desonesta: se a ideia é acabar com a criminalidade, é simples: faça-se um auto-de-fé ao Código Penal. Porque sem Código Penal, não há crimes. Sem crimes, não há detidos, e desafio o Senhor de La Palice a ter um raciocínio tão escorreito quanto este. Aí, sim! O ministro da justiça pode embandeirar em arco, que há ZERO detidos nas prisões.
As próximas eleições são daqui a quatro anos. Ainda há tempo de mais uma reforma.
Entretanto, o sindicato dos guardas prisionais que se cuide. É melhor entrar em negociações com o ministério do emprego. Se não existir, está na hora de o inventar.

2009-09-13

A BANDEIRA NACIONAL


Enquanto vou navegando pela "net", vou lançando um olho à transmissão da corrida de aviões. Neste momento, dois helicópteros da força aérea evolucionam por sobre as águas do Douro, na cidade do Porto. Não há que duvidar e, para confirmar, lá estão, na fuselagem, as cores da Bandeira Nacional: verde, vermelho e... amarelo.
Dei por mim a sentir uma nostalgia imensa e intensa; quando eu era criança, na escola, ensinaram-me que a Bandeira Nacional tinha duas cores: verde, e vermelha. Mas o tempos mudam e, com a evolução, aparecem os bimbos. Os bimbos que pintam a bandeira nacional com três cores devem ser os mesmos bimbos que andam com os faróis das viaturas acesos, em pleno dia e com sol brilhante, ou que apertam as calças não na cinta, mas a meio do cu. Ainda hoje, com o sol a, mais uma vez, fazer fintas ao Instituto de Meteorologia, que prometia céu muito nublado, eis que, à minha frente, circulava um alegre bimbo com... as luzes de nevoeiro acesas. Incluindo a traseira.
Deve pertencer ao grupo que coloca a cor amarela na bandeira.
Nunca consegui compreender por que raio colocam o amarelo na bandeira. Mas devia haver alguém que dissesse, de uma vez por todas, quantas cores tem a Bandeira Nacional. Porque não é de excluir a hipótese de eu estar enganado. Eu e a Wikipédia. E, nesse caso, o bimbo sou eu...

EM TEMPO: Aquilo que se vê onde se juntam as cores verde e vermelha, não é côr da bandeira; é a esfera armilar. Que, por acaso, é amarela. Mas os escudetes são azuis, e ainda ninguém se lembrou de acrescentar o azul às cores da Bandeira. Vá lá, nada de discriminações; ou põem as cores todas, ou pôem só as cores oficiais: verde e vermelha. O amarelo não é cor da bandeira.

2009-09-05

DO AUTOR E DA OBRA

Pois é. Quem não comprou o meu mais recente livro "Não Há Crimes Perfeitos?", não sabe a oportunidade que perdeu. É que depois de ter estado no chamado "Top Ten", o livro pura e simplesmente desapareceu das bancas. A ingenuidade que me caracteriza leva-me a pensar que a edição esgotou, ou seja, todos os livros foram vendidos, o que significa que, em breve, a revista "Forbes" me vai colocar na lista dos Dez Milhões Mais Ricos de Portugal, o que é bom e eu acho que mereço, passe a imodéstia. Mas a verdade é que o meu cinismo congénito me leva a suspeitar que a obra foi, pura e simplesmente, retirada das prateleiras, graças a um diferendo, não pequeno, que me opõe à Editora. Facto que, é consabido e vem dos tempos em que a PIDE apreendia livros, faz com que a obra aumente de valor. O que me parece lógico, pelo funcionamento da lei da oferta e da procura. Quanto mais rara é uma obra, maior é o seu valor. Ou seja: quem adquiriu o livro arrisca-se a estar, neste momento, ainda mais rico do que eu. O que é difícil, mas nem por isso passa a ser menos verdadeiro. Ou seja, também há-de fazer parte da lista dos Dez Milhões Mais Ricos de Portugal, provavelmente num lugar ainda mais honroso que o meu, quando, e se, a "Forbes" publicar essa lista (garantem-me que está para breve).
Assim, e para que o livro não perca o já inestimável valor, vou deixar que aqueles que o compraram procedam aos respectivos negócios. Mas sejam rápidos. Vendam a obra, mesmo que não seja pela melhor oferta. Porque, por muito baixo que seja o preço acordado, sempre há-de ombrear com os mais raros quadros de Renoir ou, para ser mais modesto, com as primeiras edições de "Os Lusíadas".
Logo que todos os que compraram o livro procedam à sua venda, por favor avisem-me. Porque eu vou proceder a outra edição da obra e, nessa altura, e necessariamente, o valor dos exemplares até agora comprados baixará.
Entretanto, e para a próxima edição, já estou em contacto com uma editora decente. Claro.

EM TEMPO: se fizer duplo-clique sobre as figuras, verá o seu tamanho, o das figuras, naturalmente, aumentado.

2009-09-01

O ACIDENTE

É grave, e dá que pensar, o facto de umas pessoas que iam em passeio a Fátima terem sido vítimas de brutal acidente que ceifou algumas vidas. Dá que pensar que tipo de protecção, afinal, se pode esperar do "todo-poderoso", ou das entidades divinas. Afinal, não iam para a taberna, iam a Fátima. E a Fátima não se vai por diversão, vai-se por devoção. vai-se para "falar com Deus", por intercessão de Sua Santa Mãe, a Virgem Maria. Será que Deus não quis conversa?
Também é grave a constatação de que o passeio a Fátima (peregrinação, ou divertimento?) tenha sido organizado pela Câmara de Baião. Bem sei que estamos em época de eleições, e que vale tudo menos arrancar olhos. Mas não me parece correcto utilizar o dinheiro dos contribuintes para organizar excursões e, muito menos, de carácter religioso - seja qual for a religião.
Quando é que veremos, finalmente, a religião separada da política?
Finalmente, os meus sentimentos e a minha solidariedade para com os familiares das vítimas mortais, e os desejos de melhoras rápidas aos feridos.

CARTA AO PRESIDENTE

Com a devida vénia, transcrevo o teor de um e-mail caído, há momentos, na minha caixa de correio:


A pedido da nossa associação homóloga do Brasil, envio a carta que foi dirigida ao presidente Lula da Silva.

Saudações ateístas.

Carlos Esperança

ATEA



Caro presidente [Lula da Silva]

o senhor chegou ao poder carregado pela bandeira de uma sociedade mais
justa e mais inclusiva. O uso da palavra "excluídos" no vocabulário
das políticas públicas tem o mérito de nos lembrar que as conquistas
de nossa sociedade devem ser estendidas a todos, sem exceção. Sim,
devemos incluir os negros, incluir as mulheres, incluir os miseráveis,
incluir os homossexuais. Mas, presidente, também é preciso incluir
ateus e agnósticos, e todos os demais indivíduos que não têm religião.

Infelizmente, diversas declarações pessoais suas, assim como
políticas do seu governo, têm deposto em contrário. Ontem mesmo o
senhor afirmou que há "muitos" ateus que falam sobre a divindade da
mitologia cristã quando estão em perigo. Ora, quando alguém diz
"viche", é difícil imaginar que esteja pensando em uma mulher
palestina que se alega ter concebido há mais de dois mil anos sem pai
biológico. Algumas expressões se cristalizam na língua e perdem toda a
referência ao seu significado estrito com o tempo, e esse é o caso das
interjeições que são religiosas em sua raiz, mas há muito estão
secularizadas. Se valesse apenas a etimologia, não poderíamos nem
falar "caramba" sem tirar as crianças da sala.

Sua afirmação é a de quem vê ?muitos? ateus como hipócritas ou
autocontraditórios, pessoas sem força de convicção que no íntimo não
são descrentes. Nós, membros da Associação Brasileira de Ateus e
Agnósticos, não temos conhecimento desses ateus, e consideramos que
essa referência a tantos de nós é ofensiva e preconceituosa. Todos os
credos e convicções têm sua generosa parcela de canalhas e
incoerentes; utilizar os ateus como exemplo particular dessas
características negativas, como se fôssemos mais canalhas e mais
incoerentes, é uma acusação grave que afronta a nossa dignidade. E os
ateus, presidente, também têm dignidade.

Duas semanas atrás, o senhor afirmou que a religião pode manter os
jovens longe da violência e delinqüência e que ?com mais religião, o
mundo seria menos violento e com muito mais paz?. Mas dizer que as
pessoas religiosas são menos violentas e conduzem mais à paz é
exatamente o mesmo que dizer que as pessoas menos religiosas são mais
violentas e conduzem mais à guerra. Então, presidente, segundo o
senhor, além de incoerentes e hipócritas, os ateus são criminoso e
violentos? Não lhe parece estranho que tantos países tão violentos
estejam tão cheios de religião, e tantos países com frações tão altas
de ateus tenham baixíssimos índices de criminalidade? Não é curioso
que as cadeias brasileiras estejam repletas de cristãos, assim como as
páginas dos escândalos políticos? Algumas das pessoas com convicções
religiosas mais fortes de que se tem notícia morreram ao lançar aviões
contra arranha-céus e se comprazeram ao negar o direito mais básico do
divórcio a centenas de milhões de pessoas. Durante séculos. O mundo
realmente tinha mais paz e menos violência quando havia mais religião?
Parece-nos que não.

A prática de diminuir, ofender, desumanizar, descaracterizar e
humilhar grupos sociais é antiga e foi utilizada desde sempre para
justificar guerras, perseguição e, em uma palavra, exclusão.
Presidente, por que é que o senhor exclui a nós, ateus, do rol de
indivíduos com moralidade, integridade e valores democráticos?

No Brasil, os ateus não têm sequer o direito de saberem quantos são. O
Estado do qual eles são cidadãos plenos designa recenseadores para
irem até suas casas e lhes perguntarem qual é sua religião. Mas se
dizem que são ateus ou agnósticos, seus números específicos lhes são
negados. Presidente, através de pesquisas particulares sabemos que há
milhões de ateus no país, mas o Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística, que publica os números de grupos religiosos que têm
apenas algumas dezenas de membros, não nos concede essa mesma
deferência. Onde está a inclusão se nos é negado até o direito de
auto-conhecimento? Esse profundo desrespeito é um fruto evidente da
noção, que o senhor vem pormenorizando com todas as letras, de que os
ateus não merecem ser cidadãos plenos.

Presidente, queremos aqui dizer para todos: somos cidadãos, e temos
direitos. Incluindo o de não sermos vilipendiados em praça pública
pelo chefe do nosso Estado, eleito com o voto, também, de muitos
ateus, que agora se sentem traídos.

Presidente, não podemos deixar de apontar que somente um estado
verdadeiramente laico pode trazer liberdade religiosa verdadeira,
através da igualdade plena entre religiosos de todos os matizes, assim
como entre religiosos e não-religiosos de todos os tipos, incluindo
ateus e agnósticos. Infelizmente, seu governo não apenas tem sido
leniente com violações históricas da laicidade do Estado brasileiro,
como agora espontaneamente introduziu o maior retrocesso imaginável
nessa área que foi a assinatura do acordo com a Sé de Roma, escorado
na chamada lei geral das religiões.

Ambos os documentos constituem atentado flagrante ao art. 19 da
Constituição Federal, que veda ?relações de dependência ou aliança com
cultos religiosos ou igrejas?. E acordos, tanto na linguagem comum
como no jargão jurídico, são precisamente isso: relações de aliança.
Laicidade, senhor presidente, não é ecumenismo. O acordo com Roma já
era grave; estender suas benesses indevidas a outros grupos não
diminui a desigualdade, apenas a aumenta. Nós não queremos
privilégios: queremos igualdade e o cumprimento estrito da lei, e
muitos setores da sociedade, religiosos e laicos, têm exatamente esse
mesmo entendimento.

Além de violar nossa lei maior, a própria idéia da lei geral das
religiões reforça a política estatal de preterir os ateus sempre e em
tudo que lhes diz respeito como ateus. Com que direito o Estado que
também é nosso pode ser seqüestrado para promover qualquer religião em
particular, ou mesmo as religiões em geral? Com que direito os
religiosos se apossam do dinheiro dos nossos impostos e do Estado que
também é nosso para promover suas crenças particulares? Religião não
é, e não pode jamais ser política pública: é opção privada.

O Estado pertence a todos os cidadãos, sem distinção de raça, cor,
idade, sexo, ideologia ou credo. Nenhum grupo social pode ser
discriminado ou privilegiado. Esse é um princípio fundamental da
democracia. Isso é um reflexo das leis mais elementares de
administração pública, como o princípio da impessoalidade. Caso
aquelas leis venham de fato integrar-se ao nosso ordenamento jurídico,
os ateus se juntarão a tantos outros grupos que irão ao judiciário
para que nossa lei não volte ao que era antes do século retrasado.

Presidente, será que os ateus não merecem inclusão nem em um pedido de
desculpas?

Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos
www.atea.org.br

Contato: Daniel Sottomaior (11) 9388-4746

2009-08-25

A BEATA INTRANQUILIDADE

Leio, nos jornais, que os bispos portugueses se congratularam pelo facto de o presidente da República ter vetado a lei que iria dar mais direitos aos que optassem pela união de facto em detrimento do casamento.
Desde logo, parece-me que os bispos estão a fazer confusões terríveis.
Em primeiro lugar, não acho que os bispos, seja de que religião forem, tenham que meter o bedelho nas leis da sociedade secular; da mesma forma que a sociedade secular não mete o bedelho nas encíclicas. Questão de decência, apenas. E de respeito - embora eu duvide de que os bispos saibam o que é isso.
Depois, parece que ainda se julgam num estado teocrático, como nos tempos salazarentos. Na verdade, casamento não tem nada a ver com a Igreja. Há muito tempo, para que saibam. As pessoas podem, agora, casar sem terem de levar com água-benta nas trombas. Pelo civil, não sei se estão a ver.
Que os bispos se alegrem por o presidente da República não consentir uniões de facto religiosas, eu aplaudo. Era muito chato a gente assistir a cerimónias em que o padre dissesse eu vos declaro unidos de facto em vez do sacramental eu vos declaro marido e mulher. Mas não é disso que se trata. O casamento arcaico e troglodita está em vias de extinção, e os bispos ainda não viram isso. Ou viram e estão a lutar para que assim não seja.
Depois, apresentam o argumento bafiento da família como pilar da sociedade... E quem garante - para além dos pios senhores - que para haver família tem de haver casamento? Se o meu pai não for casado com a minha mãe, os outros filhos deixam de ser meus irmãos? Deixam de ser da família? Não há família?
Para quando a limpeza às religiosas teias de aranha?

2009-08-21

OS GENÁRIOS (II)

De vez em quando, acontece. São coisas que acontecem. É a vida, como diria o saudoso e nunca por demais chorado António Guterres. De vez em quando, um genário é apanhado a conduzir um carro em contra-mão na auto-estrada. Nessas alturas, a comunicação social, sempre atenta, muitas vezes veneradora e quase sempre obrigada, dá voz aos intelectuais da urbe: que são genários, que deviam fazer exame de condução de cinco em cinco minutos, que é preciso ter cuidado com os velhotes porque os seus reflexos não são iguais aos de um jovem de vinte ou trinta anos, que deviam conduzir só depois de terem feito medição à tensão arterial... E eu, sexagenário, comovo-me e mal consigo disfarçar uma lágrima ao canto do olho. "Eles" gostam mesmo de nós, os velhotes...
Entretanto, salta-me a vista, depois de enxuta a lágrima traiçoeira, uma notícia no "Jornal de Notícias": Estradas Já Mataram Mais de Uma Centena de Jovens". E a notícia vai por aí fora, e eu fico pensando que, se calhar, não é a estrada que mata as pessoas, são elas que se suicidam. O que já é grave, mas o problema é de cada um. O pior é quando suicidam os outros. E pergunto: se a notícia dá conta de que essa centena engloba jovens entre os 15 e os 29 anos, o que andam a fazer os velhotes? Deixaram de conduzir? Ou estão a renovar a carta de condução, com rigorosos exames psicotécnicos?

2009-08-13

RONALDO E A INVEJA

Ninguém, em seu perfeito juízo, tem coragem para dizer mal de Cristiano Ronaldo: ele foi considerado o melhor jogador do mundo, e a sua transferência para Espanha custou aquilo que se convencionou chamar um colhão de guita. Mas a verdade é que quando aparece alguém com incontestável valor, também aparecem os invejosos do costume. E a inveja é uma coisa muito feia. Mas a verdade é que os invejosos não só se estão borrifando para a fealdade da inveja, como também a usam, refiro-me à inveja, despudoradamente. Uma autêntica conspiração!
Vejamos: Ronaldo foi acometido de gripe. Era natural que, com aquela categoria e com o valor que tem, basta dizer que as pernas estão seguradas em vários milhões de euros, era natural, dizia, que se arranjasse uma gripe decente para o prodígio do futebol. No mínimo, uma gripe com uma letra qualquer, uma gripe que se visse. Não senhor. Numa atitude discriminatória e absolutamente humilhante, e quando toda a gente esperava que o jovem tivesse, no mínimo, uma Gripe A, eis que o menino-prodígio, orgulho de tudo quanto é tuga e crente em Fátima, e não me refiro à de Felgueiras, é acometido de uma reles gripe sazonal, como qualquer operário com o ordenado mínimo. Pior: qualquer operário com um ordenado mínimo é perfeitamente capaz de ter uma gripe com letra, nete caso o A. Nem é preciso ter ordenado mínimo, já vi desempregados e subsídiodependentes com letra na gripe. E para o herói, só comparável aos Descobridores de antanho, nem um miserável W arranjaram? Um Z que fosse. Gripe sazonal? Vergonha! Suprema humilhação! Porque, para o valor que tem este jovem, tudo o que seja abaixo de empiema metapneumónico ou, vá lá, uma gastroenterosimite, é pouco.
Como se não bastasse, a equipa da selecção portuguesa, que tem vindo a perder tudo quanto é pontapé na bola, com Ronaldo e tudo, acaba por ganhar por uns largos 3-0 à poderosa selecção do Liechtenstein. Se isto não é uma cabala, alguém faça o favor de me explicar como é que se define cabala. Então, não é que a chamada equipa das quinas ganha, precisamente, quando Ronaldo não joga?!

OS SUPERIORES INTERESSES DA CRIANÇA

Toda a gente ouviu, certamente, falar nos superiores interesses da criança. Esta é, aliás, uma bandeira que se agita freneticamente quando se pretende defender os interesses dos... adultos. Mas a verdade é que nunca ninguém conseguiu explicar o que é essa coisa dos superiores interesses da criança. Bom: nunca ninguém explicou, até agora. Porque daqui em diante deixa de haver desculpas. Porque EU vou explicar. E a explicação é simples, só me admirando ter sido eu o único, até agora, a chegar a esta aliás brilhante conclusão: os superiores interesses da criança são aqueles interesses que interessam aos pais, e, aqui, a redundância é propositada. Por exemplo: neste tempo de Verão, costume frequentar um restaurante que tem (e eu aplaudo) uma área para fumadores. Ora, os superiores interesses da criança deviam significar que a criança tem todo o direito de frequentar locais isentos de fumo e, assim, nada custaria ao(s) respectivo(s) genitor(e)s tomar assento na área menos poluída e, quando a vontade apertasse, levantar o cu da cadeira e ir fumar um cigarro... à área de fumadores. Ou lá fora. Mas os superiores interesses do adulto afirmam que esse mesmo adulto não tem a obrigação de se privar do seu cigarro enquanto espera que o empregado apareça, enquanto a comida não chega, enquanto o café arrefece, enquanto saboreia o digestivo. E a criança vai vendo como são defendidos os seus superiores interesses. Pelo que os superiores interesses da criança passam a coincidir, rigorosamente, com os superiores interesses dos adultos.
Há dias, numa fila de trânsito, verifiquei que, no carro à minha frente, seguia, divertidíssima e alegremente "solta", uma criança, no banco traseiro. Como se fosse pouco, a criança brincava na direcção do espaço que há entre os dois bancos dianteiros. Tencionando sair um pouco mais à frente, pela esquerda, ultrapassei o veículo em causa: a condutora, presumível mãe da criança, falava descuidadamente ao telemóvel.
Ao ultrapassar, olhei de relance: havia uma cadeirinha apropriada. Mas a criança ia solta.

2009-08-10

MOMENTO DE LEITURA

Vistoriaram, a seguir, ambas as portas. Ou antes, os interiores das portas já que, exteriormente, nada havia a assinalar: as inevitáveis amolgadelas e os respectivos arranhões. Foi, pois, no interior das portas, na parte que fica voltada para dentro, que os investigadores depositaram a sua atenção. Observando atentamente, «Cartabranca» concluiu:

- Esta porta é do lado direito! Do lado do passageiro… Verifiquem a outra porta.

Verificaram. Não tinha qualquer motivo de interesse.

- Mas o assento tem, Chefe – era «Toninho» que, agora, solicitava a atenção do seu superior.

«Cartabranca» não conseguiu esconder a sua completa confusão:

- Estou completamente confuso!

Voltou-se para Fonseca, que seguia atentamente o desenrolar das operações:

- De onde é este assento?

- Do Fiat, claro!

O Chefe não estava para jogos de palavras:

- Porra, que é do Fiat, sei eu. Mas de que lado? Esquerdo, ou direito?

- Este assento é do lado direito.

- Portanto, está-me a dizer que este assento é do lado do passageiro.

- Exactamente. – Fonseca não tinha quaisquer dúvidas. – Não tenho quaisquer dúvidas.

«Cartabranca», porém, decidiu mostrar-se céptico. Não que não acreditasse no especialista, mas porque não bastava, na investigação, um caramelo qualquer, por muito especialista que fosse, dizer que sim senhor, que é o assento do lado direito. Se assim fosse, muita gente estaria presa inocente, muitos culpados estariam em liberdade, e o número de almas no Purgatório não seria, certamente, aquele que as estatísticas referem. Não senhores! Na investigação quer-se rigor. Objectividade. Para que os culpados sejam presos, os inocentes libertados, e muitas das almas do Purgatório ascendam, finalmente, ao Paraíso Celeste – que o Terreno já deixou de existir há uns anos largos, graças à estupidez do Adão, que foi logo dar ouvidos à primeira gaja que lhe apareceu pela frente. Há homens que não podem ver uma mulher, começam logo a fazer asneiras, palavra de honra! Foi por essas e por outras razões, ou seja, em defesa do rigor e da objectividade, que «Cartabranca» voltou a interpelar Fonseca:

- Sr. Fonseca, explique-me, mas de maneira a que eu compreenda, em que se baseia para garantir que este assento é do lado direito e não do esquerdo.

Com uma paciência só comparável à de Job, Fonseca explicou, pormenorizadamente, que aquele assento só poderia ser do lado direito, porque, por exemplo, as calhas de deslizamento longitudinal eram diferentes, como se podia observar, aliás, por comparação com o outro assento, etc. e tal, e «Cartabranca» mostrou-se, finalmente, convencido. Já não era sem tempo! Encarou «Toninho», que tinha seguido atentamente a conversa:

- Ouviu, não ouviu? Tome declarações ao Sr. Fonseca, de maneira a reproduzir as explicações que foram dadas.

* + * + * + *


- Afinal, confessas! Então, sempre é verdade! Andas com essa ordinária, que nem sequer se lembra que é casada. E julgavas que eu ia deixar a procuração como estava? Para quê? Para gozares o dinheiro com aquela puta?

- Não a insultes!!!

- É puta, pois então! Nem uma vaca consegue ser tão puta como ela!

Bonifácio perdeu completamente as estribeiras. É numa altura destas que alguém, ou algo, talvez a tal divina providência, ou coisa parecida, devia tomar conta dos infelizes humanos, principalmente daqueles que, em situações extremas, são incapazes de meter pé ao travão das atitudes e carregar com toda a força. Eu até admito que Bonifácio tenha tentado meter o pé no travão das atitudes; mas, com a bebedeira, deve ter-se enganado e carregou no acelerador. Completamente fora de si, meteu a mão ao bolso e empunhou o revólver, apontando-o a D. Perpétua:

- Se voltas a insultá-la, mato-te!

Os relâmpagos iam iluminando a cena que, sujeita à alternância de luz e escuridão, tomava um aspecto fantasmagórico. D. Perpétua viu o brilho da arma na mão do marido, mas também ela estava cheia de raiva. E nós sabemos como, em determinadas circunstâncias, a raiva nos tira a percepção do perigo. Suponho que é assim que surgem os heróis: é quando tomam uma atitude sem medir os riscos que ela, a atitude, naturalmente, comporta. Acresce, a isto tudo, que o espaço no interior do carro não era propriamente o de um daqueles carros que nós estamos habituados a ver nos filmes americanos dos anos sessenta e que, actualmente, são parte do folclore cubano. Quer dizer, eu estou habituado, falo por mim. O Fiat Uno é um carro pequeno e, naquelas circunstâncias, o empunhar e apontar a arma obrigava a uma relação de proximidade muito íntima. Por outras palavras, a mão de Bonifácio ficou perigosamente perto da boca de D. Perpétua. Esta, com um raro sentido de oportunidade, ferrou os dentes no punho que se lhe apresentava, dando origem a que duas coisas acontecessem, quase simultaneamente: o arquitecto largou um berro capaz de acordar as rochas adormecidas, e um tiro fez-se ouvir. Como não há duas sem três, uma terceira coisa aconteceu – só que não foi causada por qualquer das personagens: um trovão ribombou violentamente. Sem qualquer prática no manejo de armas, Bonifácio tinha, ignorante e estupidamente, colocado o dedo indicador no gatilho. Reagindo à dentada de D. Perpétua, o dedo contraiu-se e premiu o dispositivo de disparo. A bala saiu e, por um capricho que só a balística conseguirá explicar, ricocheteou várias vezes no interior do carro, sem atingir quem quer que fosse. Finalmente, perdida a sua força inicial, o projéctil foi aninhar-se junto ao umbigo de D. Perpétua, que sentiu como que uma picadela, mais nada. Também se diga de passagem que não teve tempo para tentar saber qual a origem da picadela; completamente fora de si, Bonifácio deixou cair a mão que empunhava a arma uma, e outra, e outra vez, sobre a cabeça da esposa, até que esta deixou de dar sinais de reacção. O sangue começou a correr vertiginosamente da cabeça ferida, manchando o forro da porta do lado onde se encontrava. A cabeça de D. Perpétua tombou para o lado esquerdo, na altura em que Bonifácio punha o carro em movimento. A tempestade tinha passado, tão rapidamente como tinha surgido. O sangue, esse, continuava a pingar, deslizando pela napa que guarnecia a zona lateral do assento, e caindo, gota a gota, sobre o tapete traseiro

D. Perpétua respirava debilmente.



In "Não Há Crimes Perfeitos?" de José Carlos Moreira. Devidamente autorizada a transcrição parcial, por deferência do autor.