2007-10-11

Por terras de Pedro, "O Grande"


Noites Brancas…


Chamavam-lhe Pedro, “O Grande”.


Neste caso, o epíteto “O Grande” não se refere a grandiosidade, mas a tamanho. Com mais de dois metros de altura, era mesmo “Grande”. Como se isso não bastasse, era completamente desproporcionado: a cabeça extremamente pequena em relação ao corpo, braços compridos, ombros estreitos, pés demasiadamente pequenos para o tamanho do corpo… Uma perfeita desconformidade.

Chamavam-lhe Pedro, “O Grande”; hoje chamam-lhe Pedro, o falecido…


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Petrogrado, aliás Leninegrado, aliás S. Petersburgo.

Meia-noite menos um quarto. Aproximo-me da janela do hotel, para tirar uma fotografia ao pôr-do-sol…

Não, não. Não me enganei. Era meia-noite menos um quarto. Por isso lhes chamam as “Noites Brancas”. Brancas, porque não conhecem a escuridão, nesta altura do ano. Pelas quatro horas, começa a nascer o dia… que não chegou a morrer.


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S. Petersburgo é conhecida como a “Veneza do Norte” ou, também, “A Cidade dos Mil Palácios”. Um passeio de barco através dos seus inúmeros canais (mesmo sem o gondoleiro a cantar o “Cuore ‘ngrato”) dá-nos a real percepção de uma quantidade incalculável de palácios – qual deles o mais belo, pese embora o facto de muitos deles estarem a pedir obras de conservação.


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São poucos os táxis, em S. Petersburgo. Por duas razões, fundamentalmente: são relativamente caros (para os russos, evidentemente) e quase não são necessários, já que os transportes públicos satisfazem plenamente as necessidades e… são extremamente baratos.

Mas depois do jantar tudo se altera já que os transportes são mais lentos e não nos levam aonde nós queremos; e se não há táxis, há carros particulares que fazem o mesmo serviço… bem mais barato. Preço marralhado, naturalmente.

Há quem invista na compra desses carros particulares, como num negócio. E que faça disso modo de vida. Afinal, não é proibido “oferecer boleia”…


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Aterragem no Aeroporto Internacional de Moscovo, e as primeiras perplexidades dos companheiros de viagem: “Que raio de povo é este, que escreve Я em vez de R, e И em vez de N?!”


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Afinal, a Praça Vermelha, de vermelho não tem nada. A explicação veio depois: no idioma russo antigo, “vermelho” (‘crassnaiá’) queria dizer “bonito”. O povo chamava-lhe “Praça Bonita” (que o é!).


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Mausoléu de Lenine (aliás, Vladimir Ilich Ulianov). Muito bem conservado, o cadáver. Quase não dá para acreditar.

Em cada patamar das escadas, um militar leva o dedo à boca, em ordem de “silêncio”. Um companheiro de viagem é formalmente convidado a retirar as mãos dos bolsos.

Terra de contradições: eles não gostavam do Lenine, mas respeitaram o seu cadáver, a ponto de o preservarem. Ainda há (muitas) estátuas do homem, embora muitas outras tenham sido apeadas. Lenine é, agora, uma curiosidade.


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notas pretas


O povo russo divide-se em duas categorias: os que ainda pensam que é o Partido que lhes paga o ordenado, e os que decidiram fazer pela vida. Os primeiros não gostam de turistas, principalmente se forem estrangeiros. Também não gostam de estrangeiros, principalmente se forem turistas. Podem ser encontrados nos hotéis, nos estabelecimentos comerciais e nos cafés, sempre disfarçados de empregados; os segundos podem ser motoristas de táxi, vendedores de artesanato e/ou “souvenirs”.


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Aos primeiros, o turista/estrangeiro (ou o estrangeiro/turista) não pode falar russo. Primeira reacção: espanto (“um estrangeiro a falar russo?”); segunda reacção: desconfiança (“será que estou a ouvir bem? Ou este gajo está a gozar comigo? A falar russo?!?!”); terceira reacção: arrogância (“nenhum #*+?! £@&%’»$º de um estrangeiro vem para aqui falar russo! Só nós, os russos, é que falamos russo!”).

Os segundos… até falam português! Eu ouvi.


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Hotel Sovetscaia (lê-se Советская), último dia. O jantar aproximava-se do fim, e o carrancudo (como é normal…) empregado colocou uma vasilha com água quente. Numa taça, pacotinhos de chá – um para cada pessoa! O nosso acompanhante interpelou o empregado (diálogos em inglês, devidamente traduzidos): “Café, por favor”. O empregado respondeu desabridamente: “Não é café, é chá!”. O acompanhante insistiu: “Eu pago! Os portugueses não bebem chá”. O homem ficou desnorteado: um turista atrevia-se a contrariá-lo! Chamou a chefe, que resolveu o problema: mandou substituir os pacotes de chá por outros tantos de café.


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Controlo de passaportes, à saída, no aeroporto. A funcionária olhava atenta e alternadamente a companheira de viagem que me precedia; os segundos escoavam-se, e a funcionária não se desengomava. Até que pareceu acordar (segue-se o longo e elucidativo diálogo, que consegui traduzir do inglês):

Funcionária: “Na fotografia, o cabelo está loiro, mas o seu cabelo é castanho…”

Companheira de viagem: “É. Cada dia, cada cor. Amanhã, volta a ser diferente”.

O passaporte foi, finalmente, devolvido.


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Na Rússia dos czares, tudo pode acontecer.




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