2009-04-23

AS OBRAS E O TEMPO

Em Portugal, as grandes obras têm, sempre, duas características perenes e imutáveis: prazos não cumpridos e derrapagens financeiras. Com efeito, não há memória de uma obra, principalmente se for de vulto, que tenha sido inaugurada dentro do prazo previsto e que tenha custado o que foi orçado. E se esta última característica depende, quase sempre, do número de bolsos que se enchem no decurso da obra (alguns começam a encher-se ainda durante os intermináveis estudos que antecedem a obra), a primeira é atávica. Temos, no entanto, uma grande virtude, que nem tudo pode ser mau: a obra pode não estar pronta, mas é inaugurada na data prevista. Sempre! Pelo que não é invulgar ver os ilustres convidados ainda com capacetes de protecção a comer os croquetes da praxe. Aliás, a pontualidade das inaugurações relaciona-se, precisamente, com os croquetes: ninguém gosta de comer croquetes retardados. Comem-se os croquetes, antes que arrefeçam, e depois acaba-se a obra.
Todos sabemos que tudo tem um princípio, pelo que não estou a dar novidade nenhuma. Parece que também tem um fim, mas esse é sempre imprevisível. O que quer dizer que não se sabe quando este atavismo conhecerá o seu fim. Parafraseando um ilustre e patriota político português, que garantiu que ia ser primeiro-ministro, só não sabia era quando (acabou por ser, mas conseguiu o prodígio de deixar o país ainda mais à deriva do que já estava. Decidiu tratar de vida, arranjou um tacho em Bruxelas, e o país que se lixe), também posso dizer que este atavismo também terminará; não se sabe é quando. Mas se não conhecemos o fim, temos, pelo menos, o direito de conhecer o princípio. Qual foi, afinal, a origem deste atavismo?
Este Blogue (assim mesmo, com maiúscula) investigou. E concluiu que a coisa é mais antiga do que parece. Posso dizer, com toda a certeza, que teve início em 1139 - vejam como o tempo passa, parece que ainda foi ontem. Pois bem, D. Afonso I foi o I - perdão, o primeiro - em quase tudo. Até a inaugurar obras incompletas. Releiamos a História: Em 1139, depois de uma estrondosa vitória na batalha de Ourique contra um forte contingente mouro, D. Afonso Henriques afirma-se como Rei de Portugal, e com o apoio dos chefes portugueses, é aclamado como Rei soberano. Estava feita a primeira inauguração. Mas a verdade é que a obra ainda não estava completa. E em 5 de Outubro de 1143 é reconhecida a Independência de Portugal, pelo Tratado de Zamora. Ou seja, o que também é habitual, fez-se a segunda inauguração. Ainda com a obra incompleta, pois só em 1249 é que terminou a Reconquista Cristã.
Como se pode ver, já vem de muito longe e, ao que parece, está para durar. Se Portugal, que até é um país, foi inaugurado e concluído ao retardador, por que razão hão-de, as obras, cumprir prazos?

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