2012-07-30

A senhora ministra confessou-se...


Eu já andava desconfiado. A sério. Depois de ter proclamado a sua fé, a senhora ministra remeteu-se ao recolhimento esperando, talvez, que a chuva viesse. Porque a fé sempre há-de valer para alguma coisa, não é verdade? Mas o raio da chuva não veio e a senhora ministra resolveu mudar de tática, porque, certamente, alguém lá em cima não acreditou na fé da senhora ministra. Assim, e para que não restassem dúvidas, proclamou urbi et orbi que está na política porque é cristã.
Pois.
A mudança de tática é compreensível, não vá dar-se o caso de alguém, lá em cima, ter lido a Constituição da República Portuguesa e ter concluído - erradamente, claro - que estávamos num país laico. Ora, a assim ser, o S. Pedro, que é o que manda nestas coisas da chuva e do bom tempo, deve ter-se sentido desobrigado de molhar o país (se calhar, entendeu que não seria necessário, dado isto estar a meter água por tudo quanto é sítio, mas isto sou eu a pensar...), já que aquela declaração de fé pode ter cheirado a discurso político. E nós sabemos que os políticos, enquanto tais, são sérios candidatos a uma estada no Inferno. O que lhes vai valendo ainda são essas coisas da religião.
Mas não. A senhora ministra reiterou as suas convicções fortemente católicas, pelo que a sua situação é mais de apostolado do que de ministério. Ou então, é de ministério da Igreja, e assim já se compreende.
Por isso, S. Pedro, podes mandar água à vontade. Mas não muita, que isto já está a afundar-se...

Em simultâneo no "Diário de uns Ateus"

2012-07-27

Perguntem ao Povo

Face às notícias que davam conta de uma descida drástica do número de consultas médicas, o sr. bastonário da Ordem dos Médicos (OM) mostrou-se muito preocupado. E eu comovi-me, com essa preocupação. Mas o sr. bastonário não se ficou pela mera preocupação: foi mais longe, e disse que vai exigir, do Governo, uma auditoria para se conhecerem as razões dessa diminuição. Trata-se, pois, de um excelente exercício de hipocrisia demagógica; mas admito estar enganado e ser, afinal, um exercício de demagogia hipócrita. Se assim for, peço desculpas, desde já.
Numa altura em que o país se afunda, diariamente, numa crise que o Povo não provocou mas paga, enquanto os que a provocaram não pagam, ainda há lata para exigir... uma auditoria. Gastar dinheiro para quê, se toda a gente - o Povo! - sabe das razões? Deixem-se de auditorias, que acabam por encher os bolsos a alguns, e perguntem ao Povo. As auditorias são como as comissões parlamentares: ainda hoje ninguém descobriu para que servem. Os parlamentares sabem, mas não dizem à gente...
Perguntem ao Povo, senhores! O Povo vos dirá que não vai às consultas porque não tem dinheiro para comprar pão, quanto mais para pagar as consultas! Sim, porque as taxas moderadoras são uma forma encapotrada de pagar os actos médicos.
Há dias, fui ao Centro de Saúde e pedi à funcionária que fizesse chegar, ao meu médico de família, uns exames. Não vi o médico, não falei com ele nem sequer pelo telefone, mas paguei como se tivesse feito uma consulta.
Deixem-se de hipocrisias! Entre comprar comida para os filhos ou pagar a vergonhosa taxa moderadora, o Povo escolhe a primeira hipótese. O Povo não tem mais saúde, não senhores: está mais doente mas, também, mais faminto.
Ganhem vergonha! Perguntem ao Povo.

2012-07-25

Ai, os subsídios

De vez em quando, lá me aparece, na caixa do correio, uma mensagem escandalizada porque um novo funcionário público tomou posse e, no respectivo despacho, vê-se-lhe ser atribuídos os subsídios de Natal e de Férias, que os mensageiros acusam de estar encapotados pelo termo "abono suplementar". O mais grave é que alguns destes mensageiros (leia-se remetentes das mensagens) são funcionários públicos - em actividade, ou aposentados.
Vou tentar explicar: os funcionários públicos não recebem subsídios. Os subsídios são, por exemplo, para os agricultores, quando os incêndios, as cheias ou as secas lhes dão cabo dos produtos agrícolas; os funcionários públicos são gente fina e recebem abonos suplementares. Do mesmo modo, não há registo de funcionários públicos reformados; reformados, são os simples mortais. Os funcionários públicos são aposentados e, em certos casos, até podem ser jubilados. Reformados, nunca!
Posto isto, vamos aos abonos suplementares. Eles são atribuídos por lei, quer na função pública quer no sector privado. Se a lei diz que o funcionário público tem direito ao abono, e se nenhuma lei posterior diz que esse abono foi eliminado, então, parece que o direito subsiste. E tem de constar do despacho de nomeação. É lógico. Se, depois, aparece outra lei a dizer que os abonos são suspensos, o que é diferente de eliminados, a conversa é outra. Mas o direito mantém-se.
Vamos, agora, fazer o filme ao contrário. Vamos supor, para fazer a vontade aos escandalizados mensageiros, que o despacho de nomeação não incluía os referidos abonos. E vamos supor, por hipótese académica - e completamente absurda, mas tem que ser, para o exercício de raciocínio que pretendo fazer - que daqui a uns anos os abonos eram devolvidos. O que aconteceria ao tal funcionário público nomeado nestas condições? É simples. Não recebia o abono, porque a ele não tinha direito.
Perceberam?

2012-07-22

O novo "milagre" da multiplicação

Enquanto o café arrefecia na chávena, o meu amigo Adalbataberto vociferava, batendo com o indicador no já datado "Jornal de Notícias" (JN):
- Mas tu já viste isto? Já leste bem a notícia?
A notícia, publicada ao fundo da página 20 do JN do dia 19 de Julho, não me pareceu assim muito transcendente. Passei-lhe os olhos:
- Pronto. "Artesãos trabalham a favor de bombeiros".E depois?
- "Depois?!" perguntou o Adalbataberto, mexendo furiosamente o café, na tentativa, já inglória, de dissolver o açúcar -. Isso quer dizer que não leste bem. Mas eu elucido-te - acrescentou com uma ponta de ironia. E prosseguiu:
- Para já, começa por dizer que "Os Bombeiros Voluntários do Porto e de Coimbrões" vão poder juntar 20.800 euros por ano com as receitas dos "Sábados Solidários". Ora, como no Porto há duas corporações de bombeiros voluntários, isso quer dizer que os "Portuenses" não recebem a ponta de um corno.
Ignorando a grosseira observação, argumentei:
- Calma. A notícia não diz qual corporação vai abichar essa guita toda. Pode ser que sejam as duas...
Adalbataberto nem me deu tempo:
- As duas?!. Tu estás bom, ou deixaste de saber ler? Queres ver que te licenciaste como o outro? Bombeiros Voluntários do Porto não está escrita com minúsculas. É com maiúsculas, pá! Sabes o que isso quer dizer? Se estivesse escrito com minúsculas significaria que eram todos os bombeiros voluntários; com maiúsculas significa que são aqueles, e mais nenhuns. É nome próprio, percebeste?
Não discuti, até porque o Adalbataberto percebe de português como poucos. mas o meu amigo não me dava tréguas:
- E leste quem é que vai proporcionar essa receita?
- Li, claro. É a Associação de Bares da Zona Histórica do Porto (ABZHP) - respondi, tendo o cuidado de  acentuar as maiúsculas, não fosse o Adalbataberto querer dar-me outra lição de português.
- Pois. E o que é que a ABZHP tem a ver com o artesanato?
- Boa pergunta! Não sei - confessei.
- Pois não - Adalbataberto estava eufórico. - Não sabes tu, nem sabe ninguém.
- Calma aí - decidi passar ao ataque. - Sabes lá se não vão vender bebidas artesanais? Tipo vinho a martelo, champanhe do Cartaxo, rum das Berlengas... De qualquer modo, dado que é uma iniciativa de uma associação, certamente foi votada em assembleia geral...
- Não brinques, pá! Qual assembleia geral? Tentei falar com o presidente, e não consegui...
- Qual presidente?  - perguntei, distraído a observar uma boazona que descruzava, para voltar a cruzar, as pernas pela cagagésima vez. - O Cavaco?
Adalbataberto enfureceu-se. Não gosta de distrações quando fala:
- Qual Cavaco, porra! O presidente da assembleia geral, pá! Não consegui. Nem com ele, nem com ninguém do conselho fiscal, nem com o tesoureiro, já que isto envolve dinheiro... Dá a impressão de que essa gente não existe. Mas não é tudo.
Recostei-me na cadeira e observei com atenção o meu amigo, dado que a boazona tinha ido embora.
- Que mais temos?
- Sabes fazer contas?
- Olha, pá, nem por isso. A matemática nunca foi o meu forte...
- Não faz mal, eu ajudo-te. Lê aqui - apontou-me onde eu devia ler, com o dedo indicador. Mas, sem esperar que eu fizesse as contas, missão algo penosa para mim, esclareceu-me:
- A ABZHP promete fazer "feiras solidárias" todos os primeiros e últimos sábados de cada vez. Cada feira terá, "pelo menos", 50 artesãos. Cada artesão pagará uma "quota solidária" de dez euros. E será essa receita que garantirá os 20.800 euros a cada corporação. Agora, faz as contas comigo: duas semanas por mês, dá 24 semanas por ano. A multiplicar por cinquenta artesãos, dá 1200 artesãos. Se cada artesão pagar uma "quota solidária" de 10 euros, vai dar 12.000 euros ao fim do ano. A dividir por duas corporações de bombeiros, dá seis mil euros a cada uma. Então, onde estão os 20.800 euros? Ou teremos a versão moderna do "milagre" da multiplicação, só que em vez de pães e peixes são euros? Olha, o Governo podia aproveitar, que a ABZHP era capaz de dar cabo da crise.
Meio atordoado com a rapidez das contas que, na verdade, não consegui acompanhar, ainda ouvi Adalbataberto dizer:
- Agora, repara: "os bombeiros ficarão com 80% das receitas; os restantes 20% destinam-se aos gastos da organização". Gastos da organização?? Quais gastos? Despesas com e-mail? Sinceramente, conheço os termos "bolso", "algibeira", mas é a primeira vez que vejo alguém chamar-lhe "gastos de organização"...
Adalbataberto parecia mais calmo. Chamei o empregado, paguei a despesa, e preparei-me para sair. Mas ainda ouvi o meu amigo desabafar:
- Estes políticos sempre me saíram uns trafulhas..! Mas como é que um jornal respeitável, como o JN, embarca numa história destas? Não sabem fazer contas? Ou já andam nos fretes?
Antes de sair, ainda me atrevi a perguntar:
- Quem te disse que foi um político...?
- Ora, pá! Só um político é que promete,sabendo que não vai cumprir. De caras.
Saí. Não cheguei a perceber a que político Adalbataberto se referia.


2012-07-18

Assim não, senhor bispo


Deixe-me dizer-lhe que subscrevo inteiramente as suas palavras. Na verdade, se o anterior governo dizia mata, este diz esfola. E o senhor falou em corrupção precisamente numa altura em que as autoridades andam a investigar negociatas a que membros do governo não são alheios. No entanto, não lhe reconheço o direito de dizer o que disse. Ou seja, o tiro foi certeiro, a arma é que não foi a adequada, isto para utilizar terminologia da tropa.
Vou tentar explicar.
O senhor disse cobras e lagartos do actual Governo - precisamente o Governo que lhe aconchega a carteira ao fim do mês. Mas isso até ainda é o menos; há muitos funcionários públicos a dizer mal do Governo, e não é por aí que o gato vai às filhoses. O grande problema, senhor bispo, é que o senhor falou enquanto bispo. Pelo menos, envergava um dos fardamentos da função. E embora a ICAR tenha vindo, mui lesta, dizer que o senhor exprimiu uma opinião pessoal - nem outra coisa era de esperar - a verdade é que era o bispo das Forças Armadas que estava a falar. E é aí que eu começo a não concordar.E sabe porquê? Porque se trata de uma indecente ingerência da Igreja nas questões governativas. Do Estado, portanto. Já ouviu falar em separação? Pois...
Diga-me uma coisa: se, por hipótese meramente académica e completamente absurda, dado o permanente ajoelhar governativo, um membro do Governo se pronunciasse relativamente ao celibato dos padres ou ao sacerdócio das mulheres, como reagiria?
Pois é. Há situações em que fica muito mal morder a mão que alimenta.
Em simultâneo no Diário de uns Ateus

2012-07-14

Exm.º Ministro...

...Paulo Portas. Permita-me que o trate assim, porque não sei em que qualidade V.ª Exª. falou, se na de ministro, se na de dirigente partidário.
Deixe-me dizer.lhe, antes de mais, que não gosto de si nem um bocadinho. Já sei que V.ª Ex.ª está-se borrifando mara o facto de eu gostar, ou não, de si. Mas eu precisava de dizer isto.
V.ª Ex.ª falou e disse. Acerca do acórdão do Tribunal Constitucional (TC) disse que não era legítimo estender aos privados a dívida do Estado. Se não foi assim, a ideia era essa. Ou seja: se a dívida é do Estado, que sejam os seus funcionários a pagá-la. E eu quase dei comigo a aplaudir com ambas as mãos - já tentei aplaudir só com uma, e não consegui, mas isso é outra conversa.
Na verdade, todas as despesas que os diversos governos - e este "diversos" é uma figura de retórica, já que, na verdade, só houve dois, uns conluiados com o Partido de V.ª Ex.ª, outros nem por isso - dizia eu que todas as despesas feitas pelos governantes foram para beneficiar o Estado e seus funcionários. Principalmente, os funcionários, por isso é justo que sejam eles a pagar os excessos que ainda agora se vão mantendo.
Estou a lembrar-me, assim de repente, de uns submarinos, para os funcionários do Estado darem as suas voltinhas aos domingos. Mas também me lembro de uma quantidade enorme es estádios de futebol, de auto-estradas sem necessidade, de um projecto de TGV e de um aeroporto, tudo para que os funcionários do Estado pudessem partir para férias, certamente com os chorudos subsídios das ditas. As parcerias público-privadas foram estabelecidas para os funcionários públicos encherem os bolsos, os institutos são para dar dinheiro aos funcionários públicos.
É por isso que quando se diz que nós gastámos mais do que o devido, eu pergunto: NÓS, quem?
Senhor ministro, tenha vergonha. Não é preciso muita, basta um pouco.

2012-07-09

"Alá é grande"

A barbárie religiosa não tem limites. Deus, seja o dos católicos, seja o dos islâmicos, seja o dos judeus, seja o do raio que os parta a todos, é a justificação perfeita para que se continuem a perpetuar as maiores barbaridades. Desta vez, foi no Afeganistão. Mas podia ser em qualquer outra parte do Mundo. Porque o deus é “grande”, seja onde for. Principalmente, onde convier.
Em simultâneo no "Diário Ateísta"

2012-07-06

As intermitências da Lei

José Saramago escreveu um delicioso livro intitulado "As Intermitências da Morte". No livro, a Morte deixava de funcionar a espaços, criando constrangimentos fáceis de imaginar.
Pois bem, o Tribunal Constitucional (TC) acaba de dar à estampa a versão adaptada do livro: "As Intermitências da Lei" sendo a Lei a Constituição. Assim, os cortes dos subsídios de férias e de Natal dos funcionários públicos foram declarados inconstitucionais. MAS essa inconstitucionalidade não se aplica ao ano de 2012. Ou seja, a Constituição fica suspensa até 2013. E o que parece ser uma "gaffe" ou uma "boutade" do TC acaba por ser algo mais complexo. E grave, pela velhacaria.
Na verdade, alguns funcionários públicos trataram de rejubilar e, provavelmente, já estarão de olho filado no popó que, afinal, sempre vão poder comprar. Só que ainda não viram a ratoeira.Vou tentar explicar-me:
O TC alega que a decisão é inconstitucional porque viola o princípio da igualdade (Artº 13º da CRP). Só. Não diz que o corte é inconstitucional porque retira direitos adquiridos, mas apenas porque viola o tal princípio da igualdade. E não é por acaso que este ano (2012) "no pasa nada", isto é, a Constituição não se aplica. É que em 2012 já é tarde para repor o violado princípio da igualdade. Que vai ser reposto em 2013.
Por isso, caros funcionários públicos, tenham calma. Os subsídios não vão ser repostos; vão é ser tirados aos privados.
Fica reposta a igualdade. A Constituição volta a funcionar. Como a Morte, nas ditas "Intermitências".