2013-07-11

O Francisco na tertúlia

Desta vez, a nossa tertúlia mensal só tinha quatro tertulianos, fosse devido a férias, fosse devido a outras razões sendo certo, porém, que entre quatro é mais fácil manter uma conversa do que entre dez ou doze. E a conversa ia decorrendo calmamente, ao compasso das mastigações e deglutições quando, sem que eu me tenha apercebido bem como e porquê, o papa Francisco aparece na mesa, convocado por um companheiro de anteriores lides e actuais lazeres. Que, sim senhores, era, talvez, o melhor papa dos últimos anos, estava a fazer uma limpeza nunca vista no Vaticano, e com tal entusiasmo falava o Alfredo, que me senti na obrigação de o moderar um pouco, não fosse o músculo cardíaco ressentir-se, calma, Fredo, olha que o homem está sujeito a seguir o caminho de João Paulo I, no que fui secundado pelo companheiro à minha direita, ex-seminarista convicto e anti-clerical assumido, está bem, voltava o Fredo, mas olha que é preciso tê-los no sítio, o entusiasmo não acalmava, olha que foi o único que foi a Lampedusa...
- Fazer o quê? - não me contive.
- Olha, pá, foi dar apoio àqueles desgraçados...
Interrompi-o novamente:
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- Resolveu-lhes algum problema?
- Não mas, pelo menos, alertou o mundo...
- Porquê, o mundo não sabe o que se passa? Achas que a visita do Francisco vai resolver o problema da fome nos países africanos? Não vai, nem isso convém, porque quando deixasse de haver fome no mundo, a ICAR fechava por falta de clientela..
A meu lado, o ex-seminarista abanava afirmativamente a cabeça, impedido de falar pela educação,  não se fala com a boca cheia.
Já com o entusiasmo mitigado, Alfredo ainda insistiu:
- Pois, mas pelo menos foi lá, os outros não foram.
- Está bem, mas foi lá fazer alguma coisa de jeito? Se não foi lá fazer o quê?
Decidi abarbatar-me ao entusiasmo que o Fredo ia dispensando:
- O que o papa fez foi a mesma coisa que fazem milhares de crentes quando rezam: nada! O papa não fez nada, para além da promoção pessoal. Continuará a haver, todos os dias, desgraçados que chegarão a Lampeduza, e não só. Há tempos, numa excursão a Marrocos, ainda em Ceuta, foi encontrado um marroquino sabes onde? Pois num curto espaço existente no motor. O problema dos desgraçados que vão chegando, e não nos esqueçamos dos que se ficam pelas águas, não é religioso, é político. Aliás, duvido de que a religião alguma vez tenha resolvido outros problemas que não os seus; mas conheço muitos problemas criados pelas mesmas religiões.
O Fredo não contra-argumentou, e não sei se foi por não ter argumentos, se achou que nem valia a pena passar-me cartão, ou se também estava com a boca cheia.
Francisco acabou por sair como tinha entrado.

2013-06-18

Greve aos exames

Não sei o que dizer da greve dos professores... Mas sei que tem desencadeado ódios e afectos. De um lado, os que berram que os alunos é que são prejudicados, porque se prepararam, sem cuidarem de saber que o que aprenderam permanece. Ou seja, se os exames forem adiados, o saber mantém-se - a menos que alguém faça uma formatação. Também é verdade que os alunos não têm culpa de que PPC y sus muchachos tivessem decidido pôs os funcionários públicos abaixo de cão, e refiro-me ao vulgar cão vadio, que os outros são mais bem tratados. Ou seja, os alunos não deviam ser prejudicados pela greve. Pois é, mas nas greves dos transportes os utentes, que até já compraram o passe, também são prejudicados, e ninguém diz nada. Tal como os doentes, nas greves dos médicos. Aliás, peço que me indiquem quais são as greves em que o patronato é REALMENTE prejudicado. Talvez as greves do Pingo Doce, ou do Continente... Mas aí não há greves. Adiante.
Bem ou mal, os professores estão a lutar por direitos que foram conquistados ao longo de décadas; e o mesmo devia ser feito por toda a função pública que, no entanto, se limita a baixar a cerviz e a aguardar, com a paciência do boi que vai para o matadouro, que o cutelo lhe caia na cabeça.
Pedro Passos Coelho não gosta dos funcionários públicos. Aliás, ele mesmo o disse, sub-liminarmente, quando foi questionado: "Eu não sou funcionário público", afirmou em plena Assembleia da República.
Não sei se os professores têm razão; mas sei que o Governo se tem posto a jeito para que, numa atitude primária, eu esteja solidário com eles.

2013-02-05

Etiquetas

Faça a experiência. Entre numa loja de roupas, e escolha uma peça. Pode ser à sorte. Pegue na peça, como se estivesse interessado/a, e procure a etiqueta que, normalmente, acompanha as peças desde a origem. Essa etiqueta é cosida à peça e, normalmente, contém: composição (x de lã, y de elastano, por exemplo), instruções de lavagem e "Made in...".
Observe bem. Não encontra o "Made in"? Verifique se, por acaso, a etiqueta não apresenta sinais de ter sido cortada. Se não encontra a parte que diz "Made in", é porque foi cortada. E foi cortada, porquê? Ora, porque, naturalmente, era "Made in... China".
Ai você é dequeles/as que garantem nunca comprar nada nas lojas chinesas? Tudo bem, até pode nunca ter entrado numa loja chinesa; mas nunca garanta que nunca comprou "Made in China".
É verdade. Há casas de moda, bem portuguesas, que se abastecem na "Chinatown", cortam as etiquetas de origem, e aplicam etiquetas "da casa". Obviamente, compram por preços "Made in China" e vendem por preços "Made in Portugal".
Notem: não é boato; tive o cuidado de confirmar. Ou então, expliquem-me por que razão as etiquetas são cortadas (na loja, "explicaram-me" que a peça já vinha assim do armazenista. Não tive contra-argumentos).
Quem disse que os portugas não são espertos?

2013-01-31

Corrupção?????

A comunicação social refere Mariano Rajoy como estando envolvido num caso de corrupção.
Façam-se um favor: falem-me de padres corruptos, de polícias corruptos, de médicos corruptos enfim, falem do que quiserem corrupto. Mas, por favor: não me falem de políticos corruptos.
Detesto pleonasmos.

2013-01-05

Um caso de bur(r)ocracia

Fatiade Salame é um nome fictício, que atribuo a uma pessoa que existe mesmo. Conheço-a e trato-a por tu.
Veio da Guiné-Bissau com um passaporte no bolso e um sonho na mente: aliviar a  miséria em que se encontrava.
Fatiade Salame encontrou emprego na construção civil, onde se afincou durante uma temporada. Depois, a firma viu-se na contingência de dispensar pessoal. Fatiade Salame foi dos primeiros a ser dispensado, por ser dos mais modernos. De repente, Fatade Salame viu-se na rua, sem direito a subsídio de desemprego, por o patrão não ter procedido aos devidos descontos. No bolso, continuava o passaporte, já devidamente caducado.
Fatiade Salame começou a sobreviver graças à solidariedade que é paradigma das gentes africanas. Mas continuou a procurar emprego.
Um dia, teve um mau encontro com a Polícia de Segurança Pública que, numa acção de rotina, verificou que Fatiade se encontrava em situação ilegal. Remeteu-se o caso para o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) que advertiu Fatiade Salame: tinha de arranjar emprego, não podia continuar naquela situação. Mas não é fácil arranjar emprego quando alguém se encontra em situação ilegal: "Vá ao SEF pedir uma autorização de residência, só assim lhe posso dar emprego. Empregar ilegais é punível por lei". Fatiade foi ao SEF: "Arranje emprego, que nós damos-lhe a autorização de residência". Cena que se repete com frequência.
Não é estória, é verdade. Fatiade Salame sente-se uma bola de ténis, a levar pancada nos dois lados da rede. Sobrevive a expensas de uma irmã, que ganha menos que o ordenado mínimo (sim, isso é possível) e que tem quatro filhos a quem dar de comer.
Portugal, século XXI, com burocracia do século XIX. Troca de símbolos, apenas...