País - Já pode comprar ar puro em frascos - RTP Noticias, Vídeo
Duas estações televisivas davam notícia de que o Teatro Municipal da Guarda (TMG) estaria a comercializar o ar puro da Guarda, em frascos devidamente embalados. Afirmavam que se tratava de uma iniciativa "original".
Desde logo, não sei se é possível introduzir o ar dentro de frascos - basta abri-los, julgo eu - e, depois, respirar esse mesmo ar. Os meus conhecimentos de física não me permitem saber quanto tempo depois de abrir o frasco o ar se mantém, inalterado, no seu interior. Do mesmo modo modo, não sei até que ponto o ar pode ser vendido - a menos que o TMG se limite a vender os frascos, oferecendo o ar como brinde. Seja como for, uma preocupação me apoquenta: vendendo o ar da Guarda e considerando, dada a excelente qualidade, uma procura fora do normal, tanto que até já se fala em exportação, não se correrá o risco de os guardenses começarem a respirar ar impróprio, poluído ou contaminado? Ou será que as quantidades disponíveis de ar são suficientes para dar e vender?
Desde logo, não sei se é possível introduzir o ar dentro de frascos - basta abri-los, julgo eu - e, depois, respirar esse mesmo ar. Os meus conhecimentos de física não me permitem saber quanto tempo depois de abrir o frasco o ar se mantém, inalterado, no seu interior. Do mesmo modo modo, não sei até que ponto o ar pode ser vendido - a menos que o TMG se limite a vender os frascos, oferecendo o ar como brinde. Seja como for, uma preocupação me apoquenta: vendendo o ar da Guarda e considerando, dada a excelente qualidade, uma procura fora do normal, tanto que até já se fala em exportação, não se correrá o risco de os guardenses começarem a respirar ar impróprio, poluído ou contaminado? Ou será que as quantidades disponíveis de ar são suficientes para dar e vender?
Adiante..
Recuemos uns anos.
No ano de 1984, na qualidade de Subinspector da Polícia Judiciária, e até 1986, chefiei a então Subinspecção da Guarda. Posso dizer que me apaixonei pela cidade, o que não é nada difícil, e criei, com ela, uma ligação afectiva muito forte. De tal modo que não há, praticamente, um ano que eu não visite a Guarda - embora ainda me doa constatar o desaparecimento do emblemático "Monteneve", ali na Praça Nova, mas o progresso é quem manda. Ainda tentei fazer da Guarda a minha cidade natal, mas já estava, na altura, 41 anos atrasado, segundo me disseram.
Após a aposentação, e como não tinha mais nada de útil para fazer - não tinha, ou não sabia... - comecei a escrever. Dois dos meus romances falam da Guarda: um, de forma implícita ("Não Há Crimes Perfeitos?"), já que a história de desenrola à volta da investigação do que ficou conhecido pelo "Caso da Fonte Seiça; o outro, e é este que nos interessa, fala explicitamente na "Alta cidade da vetusta Beira". Livros cuja leitura recomendo viva e obviamente.
Voltemos ao ar engarrafado, ou será melhor dizer enfrascado? A ideia tem duas vertentes, que acabam por entroncar na mesma origem, a saber: a ideia é excelente, mas não é original. Não é original porque é minha, e é excelente pela mesmíssima razão.
Com efeito, em Julho do corrente ano na Papiro Editora dava à estampa o meu mais recente romance - "O Alfa das 10 e 10". A páginas tantas, é descrita, em pormenor, uma tentativa, concretizada em parte, de vender o ar puro da Guarda. Não era em frascos, era em garrafas ou garrafões, como se pode ler no texto "A reunião preparatória". Infelizmente, os empreendedores empresários deixaram que a ganância falasse mais alto, e o negócio lá foi por água abaixo.
Assim sendo, para bem do meu ego, gravemente ferido e mais amarfanhado do que o chapéu de um pobre, bom seria que a verdade fosse reposta, e que e a César fosse dado o que a César pertence sendo que, neste caso, o tal César sou eu. Vendam, à vontade, o ar da Guarda, ate o podem dar, se quiserem; mas não digam que a ideia é vossa; ela é minha, muito minha!
Acho eu...
A reunião preparatória
(…)
Felizmente
que "Nelo Careca" era homem de ideias. Muitas ideias, embora nem
sempre ou, para ser mais exacto, quase nunca, a quantidade correspondesse à
qualidade.
As
cidades estavam poluídas com o crescente aumento da utilização dos automóveis,
e havia pessoas a queixar-se de dificuldades respiratórias. "Nelo
Careca" tinha lido, algures, que os ares da serra eram mais puros, o que
se compreende, porque lá em cima sempre há menos automóveis, e leu mais, que
quanto mais alta fosse a serra mais puro era o ar, o que também começa a fazer
certo sentido, considerando a consideração anterior. Ora, o ponto mais alto de
Portugal é o Pico, na ilha com o mesmo nome, mas fica um bocado à desamão, pelo
que os continentais terão de se contentar com o que há por cá. Ora por cá, como
toda a gente sabe, temos muitas serras, a mais famosa das quais é a da Estrela,
não só por ser a mais alta mas também por ter neve e tudo. Os ares daquelas
bandas são tão puros que até houve, em tempos, um sanatório ali nas imediações,
mais exactamente na cidade da Guarda que, não sendo tão alta como a Serra da
Estrela, é a cidade mais alta de Portugal. Todos estes ingredientes bastaram
para que "Nelo Careca" se decidisse a fazer aquilo que se chama,
hodiernamente, uma prospecção de mercado. Reuniu o terno e marchou, e este marchou mais não é do que uma figura de
estilo, ninguém, em seu perfeito juízo, se põe a marchar desde o Porto até à
Guarda, mas pronto, o terno lá se
deslocou até à Alta cidade da vetusta
Beira[1], como rezou o
poeta Júlio Ribeiro. Planeava que as pessoas das cidades, principalmente da
cidade do Porto, ou, até, do chamado “grande Porto” pudessem usufruir dos ares
puros da Serra, ou seja, queria tratar da saúde àquela gente toda. Não era
fácil. Como conseguiria, alguma vez, levar mais de trezentos mil habitantes a
tomar o ar da montanha, se o carro só levava quatro? Pronto, está bem, com
jeitinho e apertados caberiam seis, mas só se os outros elementos do terno não quisessem viajar, mas mesmo
seis era pouco para fazer face às despesas, a gasolina estava cada vez mais
cara, de repente lembrou-se de ter ouvido, algures, um provérbio que dizia,
mais ou menos, Se a montanha não vai a
Maomé, Maomé vai à montanha, lembrança que foi de grande alegria para
"Nelo Careca" e para o terno,
já que tinham o problema parcialmente, mas era um parcialmente muito grande,
enorme, resolvido, e que era, afinal, muito simples, bastava aplicar o
provérbio ao contrário, aliás, há muita gente que diz que a montanha é que foi
a Maomé e não o inverso, o que não dá para acreditar muito, não tem grande
lógica, as montanhas não andam, pois bem, se as pessoas não podiam ir à Guarda
tomar o ar, trazia-se o ar da Guarda para as pessoas, devidamente engarrafado,
claro, bastava-lhes abrir a garrafa ou o garrafão e respirar o ar que se
encontrava lá dentro, não há nada como os provérbios antigos, modernos que
sejam, vejam lá o que a gente aprende com eles, não é por acaso que se diz que
os provérbios são a voz do povo e, como toda a gente sabe, a voz do povo é a voz de Deus, estão a ver, outro provérbio que
encerra verdades como punhos, embora, neste caso, talvez fosse mais correcto
dizer que a voz é de Alá e não de Deus, já que é de Maomé que falamos, e foi
Maomé que inventou Alá, que Deus já tinha sido inventado tempos antes. Eis,
pois, que o terno passou a
deslocar-se semanalmente à Guarda, às vezes mais que uma vez por semana, donde
traziam o carro atulhado de garrafas e garrafões de plástico cheios de ar puro
da Serra que, depois, iam vendendo a quem tivesse dificuldades respiratórias,
três euros a garrafa, dez euros o garrafão, se devolvessem o vasilhame tinham
desconto de cinquenta cêntimos, meus amigos, aquilo vendia-se como pão na
padaria, quando havia padarias, naturalmente, podem não acreditar mas eu posso
assegurar-vos que houve pessoas que passaram a sentir-se melhor, a respirar sem
dificuldade, algumas houve a quem o médico garantiu, doença pulmonar obstrutiva crónica? Nem pense nisso! Os seus pulmões
estão limpos como a palma da minha mão, grande coisa é a psicologia, o terno voltou a encher-se de dinheiro, e
já pensava em comprar uma carrinha quando a ganância passou a falar mais alto,
e toda a gente sabe, se não sabe devia saber, que não se deve dar ouvidos à
ganância, quer ela fale alto quer fale baixo, isto é um conselho que dou
gratuitamente, só têm que pagar o livro, mais nada, quando ouvirem a ganância a
falar façam como Ulisses, que mandou os marinheiros amarrá-lo ao mastro com os
ouvidos tapados para não ouvir o canto das sereias, mas "Nelo Careca"
nunca tinha lido a “Odisseia”, limitava-se a ler a “Caras” e a “Maria”, que não
falam nessas coisas. Ora, quando a ganância falou deu maus conselhos, a saber, como é que as pessoas conseguem distinguir o
ar da Serra da Estrela do ar de outra serra qualquer, isso é como a água benta,
como é que se distingue da outra? mas a verdade é que se distingue, nunca
ninguém se benzeu com água da torneira, de charco, engarrafada que fosse, o que
é certo é que "Nelo Careca” achou que a ganância tinha razão e, poupando
nas despesas iria, fatalmente, aumentar os lucros, sempre assim foi e há-de
continuar a ser, se Deus Nosso Senhor quiser, daí que tivesse deixado de
efectuar as longas viagens até à Guarda, substituindo-as por mais rápidas e
económicas jornadas à Serra do Pilar, para o que bastava atravessar uma das
pontes que unem as margens do Douro. Não tardou, porém, que começassem a cair
reclamações, ah, e tal, o ar não é tão
bom como o costume, veja lá se é do fornecedor, eu assim não compro mais, antes
quero continuar a respirar o ar normal, sempre é mais barato, o meu médico já
me disse que eu estava pior, devia procurar outros ares, a provar que o ar
da Serra da Estrela não se confunde com outro ar qualquer, tal como a água
benta não se confunde com a água rafeira,
o que é certo é que os fundos do terno
estavam a chegar ao fundo, a clientela fugiu, a firma perdeu credibilidade, e foi nessa altura que, em desespero de
causa, "Nelo Careca" tentou a cena cigana que atrás se descreve, com
as consequências igualmente descritas.
[1]
Alta cidade da vetusta Beira,
Entalhada na monstra serrania.
Chamem-te, embora, Feia,
Falsa e Fria,
Mas és, também, fidalga
hospitaleira.
4 comentários:
Fantástico, é uma ideia muito original, pensava que fosse criação de Américo Rodrigues. Parabéns!
A ideia de engarrafar parece boa, mas eu achei muito melhor a ideia de o certificar e de desenvolver a economia a partir daí.
Caro Senhor:
Como sabe, pois recebeu uma explicação da Culturguarda, a ideia (concretizada) de divulgar um objecto artístico chamado "ar puro da Guarda" data de 2003, no âmbito de uma exposição intitulado "Memória das Coisas". Venderam-se, nessa altura, 150 frascos de... "ar puro da Guarda". Existem provas documentais do que afirmo. No ano seguinte, essa mesma ideia consta do livro "Ar Livro", editado pelo CMG, onde se publica o rótulo. Não há dúvida nenhuma. Os textos estão assinados bem assim como o design.
Portanto, tendo em conta que o seu livro saiu no ano passado, não há dúvida de que a haver plágio seria da sua parte. Mas, claro, eu não vou por aí. Fico, até, satisfeito que o senhor tenha usado (por coincidência) uma ideia que já tinha sido apresentada na Guarda.
O que se fez no final de 2011 foi "recuperar" a ideia de 2003 e inventar uma "colheita seleccionada de 2011". A mesma ideia apresentada pela mesma pessoa (eu). Que, aliás, não terá grande mérito visto que no início do século XX Marchel Duchamp já tinha feito um objecto que guardasse o "ar de Paris".
Desconheço os seus livros e o senhor desconhecerá os meus, pelos vistos. Porém, tendo em conta que o senhor já tinha recebido uma explicação da Culturguarda, estranho que não tenha corrigido, de imediato, a "acusação" feita. Assim, solicito que reponha a verdade dos factos. Se tiver alguma dúvida... terei todo o gosto em lhe enviar as provas documentais, apesar delas serem do conhecimento da Guarda.
Finalmente, não desconhecerá o senhor a carga humorística ligada ao "lançamento" de tal objecto.
Muito obrigado.
Américo Rodrigues
Guarda
Caro senhor:
Como poderá verificar, o seu precioso comentário encontra-se, já, no local que julgo adequado: o dos comentários do blogue.
Devo-lhe, certamente, um pedido de desculpas - o que desde já, peço que registe.
Relativamente à "carga humorística" a que alude, certamente que não a desconheço; aliás, essa mesma carga é evidente, também, na minha "reclamação", tal como no meu livro.
Aliás, e só para esclarecimento, o subtítulo da obra é... "Para ler com um sorriso nos lábios".
Um bom ano de 2012.
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