2009-07-04

"A MINHA PÁTRIA É A LÍNGUA PORTUGUESA"? (II)

Estou convencido de quefalar ou não falar português correctamente - ou, pelo menos, tentar fazê-lo - deixou de ser uma questão de conhecimento ou ignorância, e passou a ser uma questão de moda. Ainda não há muito tempo, a moda era o efectivamente; depois, passou a implementar-se isto e aquilo; ocasionalmente, despoleta-se um acontecimento qualquer, sem a noção de que despoletar significa, precisamente, desactivar, tornar inerte. De vez em quando ainda se vai ouvindo - e lendo - que amanhã vamos ter um dia solarengo, quando deviam dizer - e escrever - um dia soalheiro. Qualquer dicionário nos diz que um dia nunca pode ser solarengo, porque solarengo refere-se a solar e, neste caso, solar não tem a ver com o sol, mas sim com casa senhorial. O dicionário não deixa dúvidas:
solarengo
adj.
adj.
1. Relativo ao solar (casa nobre).
s. m.
2. Ant. Senhor de solar.
3. Aquele que, como serviçal ou lavrador, vivia no solar ou fazenda de outrem.

Ultimamente, está em moda a "acusação de ter morto o seu vizinho". Por exemplo. Ainda há dias, num qualquer programa televisivo a entrevistadora agradecia à entrevistada o facto de "ter aceite" o convite. Ah: também há pessoas que são encarregues de cumprir esta ou aquela missão...Também neste caso não vou alinhar na teoria da ignorância porque, a sê-lo, é grave. Trata-se de moda, ponto final. Ou seja: alguém escreve um disparate, outro acha piada e copia simiescamente. É mais ou menos como andar com os éculos na cabeça ou as calças a meio da coxa. Não interessa se está bem ou fica mal; copia-se e pronto. O que é preciso é "imaginação".
Ora, e volto a invocar a antiga "escola primária", donde não saía aluno que não soubesse as regras básicas da gramática (acho que hoje só se ensina isso nos doutoramentos ou mestrados), há verbos que têm dois particípios passados. Mas como essa explicação deve ser dada por quem sabe, aqui vai um texto retirado do "Ciberdúvidas da Língua Portuguesa", cuja consulta frequente aconselho. Ei-la, com a devida vénia:

Alguns verbos do português, que são chamados abundantes por Celso Cunha e Lindley Cintra, na Nova Gramática do Português Contemporâneo, têm dois particípios passados. Estes verbos mantêm um particípio passado conservador, isto é, que se forma segundo a regra geral da formação dos particípios passados, e têm outro considerado inovador porque não obedece à regra geral: Conservador: Matar – matado Morrer – morrido Ganhar – ganhado Inovador: Matar – morto Morrer – morto Ganhar – ganho O uso dos particípios passados não se faz, porém, de forma aleatória: com os auxiliares ser e estar usa-se o particípio inovador: «Ele está morto.» «Ele foi morto.» «O dia está ganho.» Com o verbo ter usa-se a forma conservadora: «O João tinha matado a galinha.» «Este ano tem morrido muita gente.» «O João tem ganhado muito dinheiro com aquele proje(c)to.» Note-se que o verbo ganhar está a perder o duplo particípio, sendo cada vez menos utilizado o particípio conservador. Começa a aparecer com alguma frequ[ü]ência tem ganho. Há, aliás, quem considere que esta é já a forma recomendável e identifique ter ganhado como um regionalismo conservador. A observação do consulente tem, pois, toda a razão de ser. Façamos votos de que os nossos "media" comecem a honrar e a respeitar a nossa língua como ela merece e como nós, ouvintes, telespectadores ou leitores, merecemos.

Edite Prada :: 09/02/2004

Nos casos acima, a entrevistadora devia agradecer por a entrevistada ter aceitado o convite, uma vez que o convite foi aceite pela entrevistada. Também as pessoas são encarregadas de cumprir uma missão, e não encarregues. Voltemos ao "Ciberdúvidas":

O particípio passado aceite emprega-se com os verbos ser e estar: essa resolução foi aceite/está aceite por toda a gente. O particípio passado aceitado emprega-se com os verbos ter e haver: ele tinha/havia aceitado isso quase desde a puberdade.


Acho que está tudo dito...



A

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