2007-11-05

CARTA ABERTA AO CENTAURO

Centauro é um comentador habitual do Diário Ateísta. Nalguns dos seus comentários, Centauro gaba-se de falar com Deus, com a Irmã Lúcia, a Virgem Maria e a Madre Teresa de Calcutá. Julgava que isso era mentira, até ter recebido esta carta para publicação - o que faço com gosto. Ao que parece, o Centauro não se refere àquelas divindades com as palavras mais apropriadas. Vamos ler a carta.




Caro Centauro:

Leio sempre, com religiosa atenção, os seus comentários publicados no Diário Ateísta; e parece-me que o Centauro está a laborar em erros de apreciação, por desconhecimento da matéria. Aconselho-o, pois, a falar só sobre coisas de que tenha conhecimento.

No Princípio, ainda antes do Verbo, o meu Pai era uma Pessoa feliz. Vivia cercado de Anjos, Arcanjos, Serafins e Querubins, que lhe proporcionavam fabulosos espectáculos de harpa e dança (leia-se “ar peidança”).

Meu Pai almejava uma velhice feliz, e tudo parecia encaminhado nesse sentido. Mas com a velhice começam a chegar aos achaques, e o Meu Pai começou a dar mostras de alguma inquietação: nada o satisfazia, os espectáculos de harpa e dança tornavam-se monótonos e o Velhote sentia que ia morrer de tédio. Repare que nessa altura ainda não havia Serviço Nacional de Saúde – logicamente não havia médicos – e a corte celestial não sabia o que havia de fazer para serenar e entreter o velho. Temia-se um acesso de insanidade – que, infelizmente, veio a acontecer: já em idade que, em tempos normais, serve para ter juízo, o Velhote passou-se: decidiu fazer os céus e a Terra.

Ora, qualquer aprendiz de deus é capaz de fazer esta porcaria – os céus e a Terra – com um estalar de dedos; mas o meu Pai não só não era aprendiz (antes fosse…!) como já estava velho como o caraças. Ainda por cima, não tinha almocreves que lhe transportassem os materiais (os almocreves haviam de ser inventados muito mais tarde, alguns deles tendo resultado em autêntica merda, como se sabe. Adiante). Pois o Velhote, apesar de ser Deus não-aprendiz, demorou SEIS dias a fazer a porcaria que se tem visto! SEIS DIAS, meu caro Centauro!!!

O resultado da incompetência divina apareceu logo com Litith, que mandou o Velhote cavar batatas e se juntou a Lúcifer – ex-sócio do Meu Pai, que se desentendeu com o Ele por causa do formato da Terra: o Meu Pai queria que fosse plana, e Lúcifer queria que fosse redonda. Como se sabe, a Terra foi plana durante muito tempo, até que se tornou redonda. Lúcifer acabou por ganhar. Aliás, tem ganho em toda a linha.

Pois bem, também o Dilúvio não resolveu a ponta de um corno. Mais teimoso que a mula de um almocreve, o Velhote acabou por mandar-Me a mim a ver se punha alguma ordem no caos. Eu sei que, como disse esse ateu do Saramago, “o caos é uma ordem por decifrar”. Ora, porra: Eu não sou Deus!!! Quer dizer, agora, sou mas na altura não era. Então, o Velho é que faz as asneiras e Eu é que tenho de as desfazer??? Sempre a puta da mania (desculpe a linguagem, Centauro, mas estou pior que a Ira de Deus) de que os filhos hão-de pagar pelos erros dos pais! Fiquei lixado, não fiz a ponta de um corno, deixei tudo como estava, mas fiz passar a mensagem de que ia tirar os pecados do mundo. Sim, que Eu Sou Filho de Deus, mas não sou parvo. E a verdade é que resultou, pois ainda hoje há quem acredite nisso. Mas o que é certo é que eu tinha medo de que alguém descobrisse a artimanha, isto é, que a cena de tirar os pecados do mundo era uma treta.

Vai daí, combinei com o Velhote deixar-me matar, mas com a garantia de que Ele me ressuscitaria ao fim de três dias. Assim ficou combinado, mas agora imagine o Centauro o meu cagaço: e se o Velhote se esquecia? Você nem imagina, passei o tempo todo no Monte das Oliveiras a falar com Ele. Apesar der tudo, decidi-me a correr o risco.

Bom, desta vez tudo correu bem. Armei-me em rei dos judeus, os gajos mandaram pregar-me a uma cruzeta, e lá fui desta para melhor. Aproveitei o fim-de-semana prolongado (quinta-feira era feriado, era quinta-feira Santa, sexta-feira era ponte), deixei-me estar a descansar durante três dias e, no domingo de Páscoa pirei-me por aí a cima, depois de ter-me despedido dos meus sócios

Isto tudo só para colocar o Centauro na mira das explicações que vão seguir-se.

Uma vez cá em cima, combinei com o Velhote que, com a ajuda do Espírito Santo, desde que trabalhássemos em conjunto, talvez conseguíssemos levar a empreitada a bom porto – ou seja tentaríamos livrar o mundo de Bushes, Bins Ladens (o Espírito Santo ainda propôs acabar com o Diário Ateísta, mas eu votei contra, pela inegável utilidade. É como o Partido Comunista numa democracia: não faz a ponta de um corno, mas a oposição é sempre uma mais-valia). E a verdade é que, apesar da animosidade que o Meu Pai tem contra o Espírito Santo (o Velhote desconfia que ele teve um ‘caso’ com a Minha Mãe, a Virgem Maria. Eu próprio não sei de quem sou filho, mas vou chamando Pai ao Velhote, até que Ele Me mande chamar pai a outro), dizia Eu que apesar de tudo as coisas pareciam no bom caminho. Mas isso foi só antes de Minha Mãe, Maria Santíssima, ter sido trazida cá para cima por dois anjos idiotas e mongolóides. Primeiro, começou logo a mandar bitaites, e a meter o bedelho onde não é chamada. Depois, passa a vida a discutir com o Zé Carpinteiro, que a acusa de ter sido infiel (há dias, foram dar com o Zé, Meu pai adoptivo, a tentar torcer o pescoço a uma pomba que, afinal, era o Espírito Santo. Digo-lhe, Centauro: isto aqui em cima, é um Inferno! E ainda há quem queira vir para cá. Chiça!).

Como se não bastasse, um dia apareceu por aqui uma gaja completamente desconhecida, que disse chamar-se Lúcia e ser vidente de Fátima. Claro que a Minha Mãe saltou logo da cozinha, onde estava a fazer uns canapés para dar ao Velhote, ainda de roupão e “bigoudis” para vir cumprimentá-la. Mas estacou: “Tu não és a Lúcia!”

.“Claro que sou, não s’alembra de mim?”

“Então, se és a Lúcia, diz de cor qual é o Terceiro Segredo”

A alegada Lúcia lá contou aquela patranha do homem vestido de branco, e mais-não-sei-quê, e conseguiu convencer a Minha Mãe. Mas, cá para mim, se ela é a Lúcia eu sou o tric.

Não é preciso dizer que isto começou a bagunçar – e estou a escrever um pleonasmo, porque não se pode bagunçar a bagunça. Pronto: a bagunça tornou-se maior, com as duas a mandar palpites, a Lúcia sempre a dizer que é amiga do JP2 e que faz dele o que quer (o que até é verdade, digo eu), depois não sabem falar baixo, parecem duas catatuas. Mas faltava vir o Pior: a Madre Teresa de Calcutá. Porra, Centauro, agora é que nem o Satanás consegue pôr ordem nisto! Primeiro, desatinou com o Velhote, dizendo que não o conhecia de lado nenhum. Ora, você imagina o que significa uma coisa destas para uma Pessoa daquela idade. Depois, juntou-se a Minha Mãe e à Lúcia, e começou a levá-las por maus caminhos. Passaram a frequentar a tasca de um tal Gaudêncio, onde permanecem até às tantas. Não se sabe para onde vão depois.

Quanto ao Meu Pai, passou a embebedar-se. Desatinou completamente. Não controla tsunamis, terramotos, tempestades, guerras, nada! Não toma banho (a última vez que tomou, foi no Dilúvio. Aproveitou, disse que era para poupar água), arrota indecentemente, está porco, descuidado, às vezes peida-se, descuidou-se com os dentes, enfim, uma desgraça. Passa os dias também na tasca do Gaudêncio, não sei se conhece, e chega a não ver – ou finge que não vê – as três mulheres, que também param por ali. E o mais grave, Centauro, é que Eu já não sei o que fazer. Por isso, dê-lhe um desconto.

Não o maltrate. Eu bem sei que o Velhote tem maus instintos, é sacana, mas talvez tenham sido as más influências. Se é difícil lidar com uma mulher, que fará com três. Fale com Ele. Dê-lhe bons conselhos, tente levá-lo ao caminho do Bem. Se você não conseguir, ninguém o consegue.

Eu o abençoo.

Jesus Cristo.

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